A estrada abriu-se em um abraço da saudade e, ao mesmo tempo, sinalizou reencontros enquanto o dia ainda dormia durante o avanço pelo...

Abraço da saudade

paisagem estrada amanhecer
A estrada abriu-se em um abraço da saudade e, ao mesmo tempo, sinalizou reencontros enquanto o dia ainda dormia durante o avanço pelo tapete negro espichado por entre planos e elevadas passagens. A estrada já conhecia os passantes de outras épocas e sabia que fazia parte da história escrita pelas idas e vindas na aproximação das distâncias entre corpos e almas. Agora, um novo capítulo era escrito, antes imaginado tantas vezes, do mesmo modo desejado ser indefinidamente adiado. E tudo ao fim e a cabo se resumia a cumprir um ritual.

Pelos espelhos a vida ganha forma. A silhueta geográfica se define a cada volta do ponteiro. Na contramão, onde antes só cruzavam luzes céleres, já há contornos mais vividos. O tempo toca em tudo com seu movimento provisório e o mundo avança em todas as direções. Do azul negro aproxima-se um alaranjamento linear no horizonte. O Sol também é passageiro nas viagens do dia e cruza a rota dos viajantes.

E tempo e Sol fazem sentir sua presença. Quase um século é uma longa estrada que uns estão prontos para findar, outros teimam em não querer vê-la concluída. Para uns descanso, para outros saudade. De todo modo, leva à estrada na memória em abraços e olhares pela porta da velha casa, junto à mesa de tantas refeições, pelo terreiro batido em pegadas antes firmes, depois vacilantes até se tornarem ausentes.

Se há uma espécie de quebra, interrupção da vida, lá fora a natureza abraça a saudade e reafirma a infinitude de muitas coisas. Alheios os galos-de-campina cantam como se o dia fosse igual aos anteriores e aos que estão por vir, assim como os pontinhos vermelhos das acerola maduras que vão soltando dos galhos do pé na cíclica construção da natureza. Sim, a vida segue, mesmo saudosa e as cercas dividem espaços e propriedades sem donos.

A mão firme se enruga e não mais aprumar a enxada, porém, ainda sustenta com fervor e fé o terço e reza por tantas coisas vivas, pensamentos e mortos. Das saudades já não abraçadas às despedidas não consumadas. E os olhos fechados ainda são carícias pelos recém-chegados e pelos antigos moradores. Os olhos saudosos sempre estarão abertos a fitar a velha casa erguida no meio das estradas incertas.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também