Hoje falar-vos-ei de uma rua singular. A rua Al-Mutanabbi, conhecida como “A Rua dos Livreiros”, sita no centro histórico da capital do Iraque, cidade fundada no século VIII pelo segundo califa abássida Al-Mansur, Baghdad - cuja combinação de palavras de influência persa significa “Fundada por Deus” ou “Dádiva do Ídolo”, sendo que os árabes, em geral, conhecem-na por “Cidade da Paz”.
Baghdad, Iraque ▪ ImagensGMaps
Famosa desde tempos imemoriais, a rua Al-Mutanabbi acolheu o primeiro mercado de livreiros daquela cidade, constituindo-se, ainda hoje, apesar das diversas convulsões políticas, sociais e culturais pelas quais tem passado ao longo dos anos, como a alma da comunidade literária e intelectual de Baghdad e não só.Inaugurada em 1932 pelo Rei Faisal I, a rua Al-Mutanabbi recebeu o nome do célebre poeta do século X, Abul Tayeb al-Mutanabbi, nascido durante o período da dinastia Abássida, que escreveu sobre guerra, coragem e amor.
Durante séculos, as ruas confluentes da Al-Mutanabbi acompanharam exposições de arte, inaugurações de galerias, livrarias ao ar livre, feiras de livros e festivais, papelarias e até casas de chá, reflectindo o pulsar de um renascimento cultural exuberante, relembrando uma época de ouro quando Baghdad era considerada uma das capitais culturais do mundo árabe.
Às sextas-feiras, esta pequena rua pedestre vive uma atmosfera única, quando os donos das lojas organizam os seus espaços de venda, ao mesmo tempo que procuram atrair a atenção de quem passa declamando versos de Al-Mutanabbi, que parece zelar pelos presentes a partir do alto da estátua mandada erigir em sua homenagem.
Numa das esquinas, frequentadores, exclusivamente homens, saboreiam tranquilamente chá com limão ou fumam voluptuosamente o narguilé, no café Shabandar, um dos mais conceituados da cidade, antigo palco de debates políticos enquanto se bebia chá e se jogava às cartas, conhecido por “Café dos Mártires”.
Ao longo dos anos, a rua Al-Mutanabbi evoluiu para um símbolo de liberdade intelectual, atraindo escritores, artistas e vozes dissidentes de todo o país, aproximando também muitos livreiros, dando origem ao conhecido ditado árabe: “O Cairo escreve, Beirute publica e Baghdad lê”, à medida que as pessoas lá se aglomeravam para alimentar a sua paixão pela leitura.
Com menos de um quilómetro de extensão, atravessada por vielas de quase dois metros e meio de largura, esta rua foi já foco de conflitos sectários, violência, atentados e ataques suicidas. A lembrança recente mais dolorosa é a de 5 de março de 2007, quando um insurgente detonou um camião carregado de explosivos, matando três dezenas de pessoas e ferindo mais de 60.
Actualmente, a rua Al-Mutanabbi permanece aberta durante a noite e as multidões que se aglomeram diante das bancas de livros são uma indicação da melhoria da situação de segurança no país e do fim da pandemia de COVID-19 que, em 2020, fechou este troço durante mais de um ano.
Em agosto de 2021, foram levadas a efeito obras e reformas necessárias, suportadas por doações do Banco Central do Iraque e da Liga Iraquiana de Bancos Privados, que incluíram refazer a rua e as calçadas em pedra, a instalação de um novo sistema de iluminação e pinturas dos edifícios da rua principal.
Hoje, o novo normal da rua Al-Mutanabbi passa por manter uma escolha mais ampla e abundante, a par das obras escritas em língua árabe, com exposição e venda de livros em línguas estrangeiras e outros objectos como os de papelaria, além de CD e mapas geográficos...