Ao luar, ao Lago de Como, à beira do Danúbio, foram tantas as cenas e paisagens que inspiraram grandes músicos... Harmonias da noite, prelúdios de gotas d’água em chuva de colcheias às janelas de Maiorca, barcarolas, ave-marias, réquiens e canções de ninar, noturnos, quanta coisa bonita!
A conexão entre música, vida, natureza e imaginação é de uma abundância admirável. São balés, poemas sinfônicos, óperas, peças que cantam, falam, sussurram, declamam e descrevem a existência e a natureza com emoção contagiante. Até os planetas foram esboçados por Gustav Holst em magistral suíte, os alpes bávaros por Richard Strauss, o mar por Debussy, o luar sobre o Reno por Beethoven, pingos de chuva por Chopin. E o cisne, belo e delicado, docemente retratado por Saint-Saëns, no Carnaval dos Animais. Na suíte “O pastor de porcos”, Boris Tchaikovsky delineou em "In the garden" a poesia de um jardim que sorri para uma manhã de sol com raríssima fidelidade. E nas “Canções sem palavras”, Felix Mendelsohn demonstrou que mesmo sem letras o canto das melodias pode exprimir além dos idiomas o que todos compreendem, ainda que entre si não professem a mesma língua.
A música consegue percorrer todas as veias artísticas. Plásticas, literárias, poéticas, e acolhe em sua expressiva escrita uma imensa diversidade de sentimentos e paisagens. Na “Pavane pour une infante défunte”, Ravel se debruça sobre a mescla perfeita entre o desalento e a pureza da imagem de uma criança que acaba de se desligar do mundo. A nostalgia do tema que se desenvolve entrelaçado em nuances simultaneamente bucólicas e dramáticas é capaz de nos reiterar, paradoxalmente, que há beleza também na tristeza. Tal como nos adágios de Tomaso Albinoni e do Concerto de Aranjuez , de Joaquin Rodrigo, nos quais quiçá resida a mais bela e pujante desolação expressa no mundo da música.
E as paixões, os dramas, como o Fausto de Goethe tão bem encarnado na ópera de Gounod? E as brigas dos Montéquios e Capuletos, aos cenários de Verona, entremeadas na desgraça de uma conturbada paixão maviosamente musicada por Prokofiev e Tchaikovsky em balé e fantasia?...
Verdadeiramente inesgotável é a capacidade da música em se marchetar com outras formas de arte. Fundindo-se e confundindo-se às infinitas possibilidades de sentir, refletir, sonhar e realizar tudo o que a emoção produz. Os fantásticos voos em que a imaginação nos transporta por meio da literatura parecem atingir níveis ainda mais elevados quando envolvidos ou transcritos pela música, como Ralph Vaughan Williams fez com os poemas de Walt Whitman, em sua "Sinfonia do Mar", e Elgar no régio ciclo de canções para contralto e orquestra — “Imagens do mar” — em que musicou cinco poemas de autores britânicos do século 19.
Só a música foi capaz de ir além do que se escreve. Ainda que o poema multiplique a abstração, que emerge e se expande tão difuso na emoção, ela fala uma língua que atinge o mundo inteiro, sem signos que limitem o que soa aos ouvidos pois se funde à alma toda. Por isto que esta arte, tão bem descrita como divina, rompe quaisquer barreiras que a condição e a natureza humana interpuseram entre nós. Definitivamente, ela é a mãe de todas as artes!