Eu gostaria de ter o dom da palavra para dar a certas narrativas a intensidade que merecem. Mas, quanto mais são intensas, parece que as palavras fogem e fica o sentimento em um compartimento especial do coração.
Sempre me perguntei o porquê de minha mãe não querer aprender a ler. Creio que, hoje, depois de tanto tempo que a perdi, a razão ficou transparente. Ela não pôde fazê-lo na data certa. Meu avô e os preconceitos da época não deixaram. Ela tinha vergonha de não saber. Contudo, ela assinava o nome dela perfeitamente e fora capaz de copiar – acreditem – uma carta inteira, por necessidade da época, ao virmos para o Brasil.
Porém, o que importa, nesta narração, é mostrar a luta por ela empreendida, ao querer aprender a fazer um 'A' do nome de meu padrasto, não obstante tivesse se casado com ele há longos anos e ele já falecera. Ocorre que trabalhara tanto que a tudo foi enfrentando, sem ter tempo de pensar naquilo com que sonhava.
Não. Ela não queria fazer qualquer 'A'. O seu desejo era fazer um igual ao meu, ou seja, 'A', todo trabalhado.
Sempre que podia, já em idade mais avançada, pois ela nunca parava, eu a encontrava treinando. Ela tinha uma caneta reservada e um caderno que pedira só para isso. Ela o escondia e, com o sorriso maroto, dizia que estava tentando. Eu havia indicado por onde começar e como fazer.
Não sei quantas páginas ela tentou só aquela letra e, depois, ligá-la ao nome. Todos têm um jeito próprio de lidar com as questões fundamentais da vida. Ela descobrira que, embora não sabendo ler, poderia, de forma adorável, fazer o seu nome de modo mais bonito. Para ela, essa busca da perfeição já concedia-lhe um brilho único nos olhos, que, ainda hoje, permanece em meu coração. Nunca... Nunca o esquecerei.
Ela desenvolveu esse lado admirável de guerreira sem armadura, frágil, mas de extrema força, certamente tinha um temperamento forte e de tudo queria participar, mas, não falava sem refletir. Era uma pessoa de luz incomum.
Um dia, escondida no seu sorriso maroto, a vi trazendo nas mãos uma folha do caderno que escondia. Nela, estavam várias assinaturas com a letra que tanto queria, em estilo rebuscado e, ela, ansiosa, perguntava:
⏤ Está bom? Está bom?
Quando eu disse que sim, ela sentenciou: "agora ninguém mais ficará rindo de mim, quando for ao banco receber a pensão de teu padrasto".
Pode parecer sem valor o que ela conseguiu. No entanto, foi uma das maiores vitórias de sua vida. Com isso, venceu o preconceito de atendentes – naquele tempo havia poucos bancos de atendimento eletrônico e nem todos tinham paciência para que ela fizesse aquele 'A'. Ela não queria o outro – mais comum e bem fácil. Logo depois, disse:
⏤ Agora, eu quero ver me mandarem só colocar o meu dedo (impressão digital). Eu já sei assinar o nome todo ⏤ a parte dela e a de meu padrasto.
Por isso, quando mais tarde, por problemas de derrames, ficou tetraplégica, ela disse para mim:
⏤ Deus tirou-me aquilo que mais precioso deu: minhas mãos e meus pés.
Não! Querida mãe, onde estiveres, eu discordo: o que de mais precioso você tinha era essa mente maravilhosa e a capacidade de nunca desistir. Onde estiveres, sabes bem que és meu exemplo, principalmente nos piores momentos.