Eventualmente, ouço vozes que comentam como alguns indivíduos tiveram sorte em suas vidas, mas que suas próprias não ganharam oportunidades semelhantes. Lembro de muitos casos que negam essa verdade sem noção.
Pablo Picasso foi um dos invejados em sua trajetória, porque tinha muito brilho. Ele se sentia entediado com as formais aulas de artes, por isso acabou por criar seu próprio estilo. Picasso nasceu morto, e a parteira daquele evento dedicou atenção à mãe, que estava acamada e desfalecida. O médico Don Salvador o resgatou de uma morte por asfixia, soprando-lhe fumo de um charuto na face, e, assim, o fez chorar pela vida. Quando jovem, ele era muito pobre e necessitava queimar suas próprias obras na lareira para se aquecer durante o inverno, em sua casa simples, sem calefação. Foi dono de um talento muito maior do que a sua sorte.
Outra personalidade mundial ofuscada pela inveja foi Madiba, nascido em uma família tribal na África do Sul. Com 23 anos, morou em Joanesburgo, a maior cidade do país, onde iniciou sua carreira com o nome de Nelson Mandela. Durante 27 anos ficou preso por lutar contra medidas do governo da época. Somente após esse período ele pode desfrutar de um venerado governo em prol de seu povo sofrido.
Honoré de Balzac foi outra pessoa com uma vida entendida como sortuda. Iniciou sua carreira com uma mão na frente e outra sem nada. Viveu sua infância em um colégio interno, escolhido pelos pais, que não o queriam por perto. Lá, passou muito tempo no quartinho do castigo, chamado na época de masmorra. Mais tarde, sustentado pelo pai, foi morar em um quarto e sala na Paris dos anos 1860, onde trabalhava por até dezesseis horas diárias. Difícil imaginar que dessa origem dura e sem perspectiva nasceu um homem que escreveu 95 livros e preenchia 45 laudas por dia.
Muitos que insistem em mencionar, invejosamente, as carreiras alheias como sortudas utilizam o coitadismo para sua promoção, elemento que nunca foi atrativo na sociedade, mas, pelo contrário, move um sentimento de pena e, por fim, leva ao isolamento. Essa escolha é percebida como a incapacidade de lutar por si no jogo social, e de contribuir junto aos vencedores.
Somos como um livro, que muitos podem apreciar se a história for boa, atraente, com capítulos engraçados e emocionantes. Se for queixosa, lenta e sem graça — lamento muito —, talvez seu livro vá para a estante dos esquecidos.