Verbo vicário é o que se usa em lugar de outro, anteriormente citado, para evitar-lhe a repetição. É da palavra latina “vicarius”, subs...

Verbo vicário

padre vigario sacerdote verbo vicario
Verbo vicário é o que se usa em lugar de outro, anteriormente citado, para evitar-lhe a repetição. É da palavra latina “vicarius”, substituto, que se originou, por via erudita, “vicário”, e, por via popular, “vigário” (o sacerdote, o substituto do bispo), e suas formas derivadas, como “vigarice”, “vigarismo”, etc., que se relacionam ao “conto do vigário”, isto é, ao conto do substituto (a vítima leva o substituto do que acredita estar levando). Há autores que chamam o verbo vicário de “verbo pronominal”.

padre vigario sacerdote verbo vicario
Nas nossas gramáticas são raras as referências ao verbo vicário, que merece um estudo em profundidade em nível de pós-graduação, pelas construções insólitas que seu uso acarreta. Os exemplos mais comuns de verbo vicário ocorrem com o verbo “fazer”, como em “Quem não passou neste vestibular pode fazê-lo no próximo (“Fazê-lo” está aí substituindo “passar”.).

Mas é com o verbo “ser” que se apresentam exemplos mais interessantes. Um desses exemplos colhi numa redação de vestibulando: “As coisas que os casais faziam era juntos”. O verbo “era”, no singular, está no lugar de “faziam”, plural. A frase significa: “As coisas que os casais faziam FAZIAM juntos.” Outro exemplo:
padre vigario sacerdote verbo vicario
“Se eles perguntam é porque não sabem” – em que o verbo ser (“é”) substitui o verbo da oração anterior (“perguntam”). Reconstruído, sem o verbo “ser”, o período fica assim: “Se eles perguntam, perguntam porque não sabem”. Note-se que o verbo “ser” vicário fica no singular, apesar de substituir verbo no plural.

Essa é a particularidade do verbo “ser” vicário. Embora varie em tempo, ele permanece na 3ª pessoa do singular mesmo que o sujeito esteja no plural e em outra pessoa, à diferença do verbo “fazer”, na mesma função. Observem-se os seguintes exemplos:

1Quando nós falávamos ERA baixinho.
2Eles sabiam a resposta, mas ERA só com o livro aberto.
3Os que se vão calados raramente É por orgulho (Machado de Assis).
4Eles vieram para casar-se onde PUDESSE SER.
5Ele tinha medo e não sabia de que ERA.
6Se te vais casar, TEM DE SER comigo.
7Eu voltei mas FOI para ficar (Roberto Carlos).
8Os erros que cometi FOI por inexperiência.
9As coisas que aprendi FOI à custa de muito trabalho.
10Se ela sonhar SERÁ iludida pela crença em Papai Noel.
Repare-se que o verbo “ser” vicário, varia em tempo, mas permanece sempre na 3ª pessoa do singular, e sempre substitui o verbo ou a locução verbal que o antecede imediatamente. Nos exemplos dados, o verbo SER, em versal (em letras maiúsculas), substitui os seguintes verbos, na ordem em que estão: 1) falávamos, 2) sabiam, 3) se vão calados,
padre vigario sacerdote verbo vicario
4) pudessem casar-se, 5) tinha medo, 6) tens de casar-te, 7) voltei, 8) cometi, 9) aprendi, 10) sonhará.

Com o verbo “fazer” vicário, a concordância é normal e há sempre um objeto direto pronominal no singular masculino: l. As moças conversavam e FAZIAM-NO (=conversavam) com alarde. 2. Os índios pescam, mas FAZEM-NO (=pescam) com arco e flecha.

O verbo “ser”, que as gramáticas registram apenas como verbo de ligação (“Deus é bondade!”) ou como verbo intransitivo (“Penso, logo sou”), é um mundo ainda a ser explorado pelos nossos estudiosos. Com efeito, além de ser verbo de ligação, verbo vicário ou verbo intransitivo, dependendo do contexto, obviamente, o verbo SER também pode ser transitivo direto (“Fui Covas no primeiro turno das eleições”, ou “Sou mais as louras que as morenas”, ou “Era uma vez dois reis” – isto é, “havia uma vez dois reis”; cf. francês: “Il n’est pire aveugle que celui qui ne veut pas voir”, isto é, em tradução literal: “não há pior cego que aquele que não quer ver”, em que o verbo “ser” – être – está com o sentido de “haver”).

Com a palavra os pós-graduandos de letras.
padre vigario sacerdote verbo vicario
José Augusto Carvalho, mestre em linguística pela Unicamp e doutor em letras pela USP, é autor de vários livros sobre língua e linguística, como Problemas e curiosidades da língua portuguesa, Brasília: Thesaurus, 2014, e Gramática superior da língua portuguesa, 2.ed. Brasília: Thesaurus, 2011, entre outros.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também