SONETO EM CRISE
O perdido traz a marca na testa, esboço do nome, falso retrato, um corno - caligrafia da besta -, revolta e um perfil de semblante amargo. A fala que se esforça em verso, ofensa, um desmentir inútil do absurdo que transpassa o ser fútil e enlaça a criatura com seu silvo agudo, é um fruir da morte, certeza amarga, disfarçada em hóstia, na boca posta do infiel na catedral, mãe das gárgulas, pois ser temente a Deus é fuga justa ao que nega à morte sua carne e alma e segue, hipocondríaco, em meio à turba.
O perdido traz a marca na testa, esboço do nome, falso retrato, um corno - caligrafia da besta -, revolta e um perfil de semblante amargo. A fala que se esforça em verso, ofensa, um desmentir inútil do absurdo que transpassa o ser fútil e enlaça a criatura com seu silvo agudo, é um fruir da morte, certeza amarga, disfarçada em hóstia, na boca posta do infiel na catedral, mãe das gárgulas, pois ser temente a Deus é fuga justa ao que nega à morte sua carne e alma e segue, hipocondríaco, em meio à turba.
DE PROFUNDIS
Homem não é centro, é mundanidade, mas impregna a terra, frágil promessa estendida aos pés, que, com toda pressa, enche de verbo e pó o céu - miragem. Queda-se o bom, o mal, deus e o diabo, desaparece o homem, fruto do espaço, e a sentinela desperta o mormaço da aurora que espreita o pecado, pois cada súplica, lamento, oferta, resta incógnita nas ramas da tarde, que não acoberta o erro, a empáfia dos salmos e os apelos dos covardes que surgem e se insurgem nesta Terra, desfrutando a essência do milagre.
Homem não é centro, é mundanidade, mas impregna a terra, frágil promessa estendida aos pés, que, com toda pressa, enche de verbo e pó o céu - miragem. Queda-se o bom, o mal, deus e o diabo, desaparece o homem, fruto do espaço, e a sentinela desperta o mormaço da aurora que espreita o pecado, pois cada súplica, lamento, oferta, resta incógnita nas ramas da tarde, que não acoberta o erro, a empáfia dos salmos e os apelos dos covardes que surgem e se insurgem nesta Terra, desfrutando a essência do milagre.
A CAMA POSTA
E, quando se derrama a luz, a morte ─ transe absoluto ─ se veste de luxo, e, portentosa, impõe ao ser a noite pensa nos dias do forte, que ruge, por temer o fim, esse açoite imposto, o desfolhar dos sonhos desmedidos, o remover das vendas frente ao poço onipresente e fundo - o abismo. A vida é inventada, aritmética, verdade abduzida da matéria, que tem por fecho a morte, uma pantera. A morte, criativa, essa comédia, segredo ao pé do ouvido do ausente, na cama posta, despido e sem rédeas.
E, quando se derrama a luz, a morte ─ transe absoluto ─ se veste de luxo, e, portentosa, impõe ao ser a noite pensa nos dias do forte, que ruge, por temer o fim, esse açoite imposto, o desfolhar dos sonhos desmedidos, o remover das vendas frente ao poço onipresente e fundo - o abismo. A vida é inventada, aritmética, verdade abduzida da matéria, que tem por fecho a morte, uma pantera. A morte, criativa, essa comédia, segredo ao pé do ouvido do ausente, na cama posta, despido e sem rédeas.
ERA UMA VEZ A UTOPIA
Será possível conservar acasos, ruas sem rumo e pastos sem cerca? As cortinas não expõem a tristeza, o crepitar, o tremor, o espasmo? Deixem que os mortos testemunhem a dor, o vibrar ensurdecedor - silêncio, cada tambor reverberando o ócio dos que violam o que do amor restou. Nada, nada expressa a réstia da sobra, nem o destemor, nem mesmo a soberba, do que pensa ser e se vê manobra. Ser sem pressa, talvez o que perceba é a falsa promessa da pira acesa neste átrio da catedral deserta.
Será possível conservar acasos, ruas sem rumo e pastos sem cerca? As cortinas não expõem a tristeza, o crepitar, o tremor, o espasmo? Deixem que os mortos testemunhem a dor, o vibrar ensurdecedor - silêncio, cada tambor reverberando o ócio dos que violam o que do amor restou. Nada, nada expressa a réstia da sobra, nem o destemor, nem mesmo a soberba, do que pensa ser e se vê manobra. Ser sem pressa, talvez o que perceba é a falsa promessa da pira acesa neste átrio da catedral deserta.
Poemas do livro O mais Eu de todos em mim
vive me desconhecendo ■ de Vitor Nogueira e Jorge Elias Neto, a ser lançado em breve.
Nestes tempos de dicotomia nas paixões
Fernando Pessoa, o assumido poeta do EU, sabia que o olhar necessita de um objeto, daquilo em que se depositam o desejo, a angustia, a dor, a febre – e, é claro, a esperança e tudo que a circunda. Inclua nesse rol, a compaixão. Eis a questão tão inequívoca quanto necessária: como, situado neste mundo, pode o poeta abster-se do real e ignorar o que lhe cerca? A dupla Vitor Nogueira – Jorge Elias Neto encara esse real e, cada um com seu olhar – complementares, diga-se -, observa que o mundo não é exatamente o que se mostra: ele é mais intenso, mais vil e mais desigual do que imagens e palavras possam expressar. Daí a necessidade de compadecer-se e agir. A ação em “O mais EU de todos em mim vive me desconhecendo”, num certo sentido, confirma o português Pessoa: a realidade faz com que nos reconheçamos de todos os modos possíveis, e a poesia e a fotografia (ambas de uma beleza crua e essencial, definitiva) podem nos levar muito além, plenas de luz e vida, impelindo-nos a reconhecer que fazemos parte de um mundo que, ao menor descuido, tende a nos abominar e a nos rejeitar.
Estamos, todavia, todos juntos. E, felizmente, para o nosso consolo, com Vitor e Jorge nos guiando.
(Francisco Grijó - escritor)
Nestes tempos de dicotomia nas paixões
Fernando Pessoa, o assumido poeta do EU, sabia que o olhar necessita de um objeto, daquilo em que se depositam o desejo, a angustia, a dor, a febre – e, é claro, a esperança e tudo que a circunda. Inclua nesse rol, a compaixão. Eis a questão tão inequívoca quanto necessária: como, situado neste mundo, pode o poeta abster-se do real e ignorar o que lhe cerca? A dupla Vitor Nogueira – Jorge Elias Neto encara esse real e, cada um com seu olhar – complementares, diga-se -, observa que o mundo não é exatamente o que se mostra: ele é mais intenso, mais vil e mais desigual do que imagens e palavras possam expressar. Daí a necessidade de compadecer-se e agir. A ação em “O mais EU de todos em mim vive me desconhecendo”, num certo sentido, confirma o português Pessoa: a realidade faz com que nos reconheçamos de todos os modos possíveis, e a poesia e a fotografia (ambas de uma beleza crua e essencial, definitiva) podem nos levar muito além, plenas de luz e vida, impelindo-nos a reconhecer que fazemos parte de um mundo que, ao menor descuido, tende a nos abominar e a nos rejeitar.
Estamos, todavia, todos juntos. E, felizmente, para o nosso consolo, com Vitor e Jorge nos guiando.
(Francisco Grijó - escritor)