Era no trabalho que melhor nos irmanávamos. Emulações à parte, naturais, legítimas, se não se rendiam não chegavam a comprometer o companheirismo. Terminavam recônditas.
É o que sobressai, a meu ver, nesse rico trabalho confiado a Luiz Carlos Souza a pretexto de mostrar o lado de dentro desses últimos cinquenta ou sessenta anos do jornal e editora A União. O lado de dentro que dá lugar à exceção proposital de um superlativo no título da apresentação assinada pela diretora-presidente Naná Garcez de Castro Dória: Humaníssimas memórias.
“Está tão em moda falar sobre a inteligência artificial (IA) para executar tarefas, mas o Memórias A União dispensou o tão famoso conjunto de tecnologias com ‘funções avançadas e capacidade de gerar dados, conteúdos, numa grande velocidade’ e foi realizado com a humaníssima característica de dialogar com as pessoas, obter informações e respostas carregadas de lembranças e emoções” (...)
Humaníssimo, sim. Visto de fora, sobeja não só com história própria de vários autores e nos registros e crônicas esparsos do dia a dia, como na memória popular de ontem e na referência de hoje. Circule com 8 mil exemplares como circulou nos dias de 1930, o exemplar de quatro a oito páginas disputado a ouro na sua cidade, no seu estado e nos estados vizinhos ou se reduza hoje no papel para se expandir via internet. Restava, em conjunto, ser visto por dentro, pelo zum-zum sensível, vivido e sofrido de cada abelha operária, incluindo as que trabalham em silêncio, não assinam ou não se apresentam ao leitor. Muitos dos quais não conseguem entrar na lista dos créditos da edição em livro ou do próprio jornal. Sem queixa, sem perder o contágio fraterno e mesmo alegre do seu trabalho anônimo. Como é exemplo a entrevista de Maria do Socorro Pereira dos Santos, 32 anos, a maioria dos quais no acabamento, setor “que quase não se sabe que ele existe”, como está na pergunta do entrevistador. “Na minha opinião, o acabamento é o coração. Se você quer um livro, se você quer uma plaquete, se quer um folder, tudo começa pela gráfica.
Tudo, tudo, tudo. E termina em nossas mãos."
Você chegou a trabalhar de 7 às 22h?
"Cheguei a trabalhar de 7 da manhã às 10 da noite e ainda trabalhava no sábado, se brincasse. Se quisesse no domingo eu estava dentro. Fiz muitas amizades maravilhosas.”
Você chegou a trabalhar de 7 às 22h?
"Cheguei a trabalhar de 7 da manhã às 10 da noite e ainda trabalhava no sábado, se brincasse. Se quisesse no domingo eu estava dentro. Fiz muitas amizades maravilhosas.”
O comportamento da redação não era diferente. Como Socorro, vem daí a maioria das minhas grandes amizades. Amizades muitas delas que se enlaçavam com nossas famílias. Solidárias não só quando baixávamos a cabeça para a pauta do jornal como no enfrentamento do problema pessoal.
A própria iniciativa de trazer à luz o testemunho “carregado de lembranças e emoções” de cada um, o que não lembro de ter visto em relação a outros jornais daqui ou de fora, associa a valorização do jornal à dos seus obreiros. Muitos se confundiam com a própria notícia. Realizava-se simplesmente com o que inseria ou inoculava nela. Como Socorro se via encantada a cada bem-sucedido acabamento.
⏤ Publicado originalmente no Jornal A União ⏤