O mau cheiro contrastava-se com a beleza da manhã, aumentando à medida que o Sol se elevava. Percebemos assim que abrimos as janelas para que o dia nos trouxesse notícias da alvorada, do mundo lá fora e canalizasse as energias de uma nova manhã, presentes nas brisas que sopram do mar.
Mas, dessa vez, os ventos não tinham o perfume morno de uma nova jornada, mas algo que logo identificamos possivelmente como de um animal morto. Por experiências passadas, supomos que o cheiro exalava do corpo de uma tartaruga marinha. Há muitas que se divertem nas pedras e corais ali â frente, ao tempo em que comovem o olhar de quem passa à beira-mar, nos instantes em que aparecem para respirar o ar da praia ou dar uma espiada no Sol. E assim encantam as tardes, como as “Baleias de Agosto”, de David Berry.
Dito e feito. Era realmente mais uma tartaruga morta, decerto por engolir plásticos ou mutilada por redes de pesca, que jamais deveriam estar perto delas. Então veio a ideia de chamar alguém do serviço de limpeza pública para enterrar ou removê-la. Não estava havendo harmonia daquele odor com as flores e borboletas que dançavam no jardim, nem com as fugas e colcheias das sonatas de Hummel , que soavam aqui dentro.
Mas logo nos chamou atenção outro balé que no céu se iniciou. Urubus em suas vestes negras, irmanados como sempre, voejavam ali por cima atraídos pelo aroma que tanto lhes apetece. Como sempre é do mar que eles tiram o seu banquete, cujas ondas, muitas vezes, lhes servem de garçons, trazem peixes, tartarugas e outras “guloseimas”, desisti de pedir que removessem o corpo que ali jazia.
Se aprecio a borboleta que da flor bebe o seu néctar, nas manhãs que me saúdam a lembrar do Criador, necessário também é que deixasse os urubus se fartarem com aquilo que é de fato seu direito.
Foi assim que o tal cheiro não causou mais desagrado, pois fiquei a me lembrar de que o mundo é de todos, cada um tem o seu jeito de brindar à alegria.