Houve uma Cartilha da Doutrina Social da Igreja, publicada há alguns anos, em que o Papa João Paulo II recomendou aos clérigos que não comunguem com a ideia de legalização do casamento entre homossexuais. Ora, o amor entre duas pessoas já é o casamento. A cerimônia para celebrar essa união ou tem fins meramente burocráticos, pois a sociedade a exige para alguns atos da vida civil, como, por exemplo, para definir regras de herança e de venda de bens – nesse caso, qual a diferença se num casamento civil as pessoas têm sexos opostos ou não? – ou tem fins festivos, como acontece na cerimônia religiosa, onde os nubentes, jubilosos, diante da divindade em que acreditam, proclamam seu amor um para o outro e para as pessoas queridas.
Será que Deus, ser destituído de intolerância, não abençoaria tão belo laço porque os noivos têm o mesmo sexo? Ora, Ele tem mais com que se preocupar, como lançar ao mais profundo círculo infernal almas de muitos homens, que ao longo dos séculos vêm utilizando Seu nome para difundir preconceitos e angariar lucros. É muito trabalho!
Pobre Karol: nunca amou! Teus belos olhos, cujo azul foi extraído do mais profundo oceano, jamais brilharam em razão da paixão avassaladora tão comum a todos os outros. Pobre Karol, nunca amou, apesar de tantos devotarem a ti tanto amor. Pobre Karol, nunca amou. E por causa disso, Karol, quisestes impedir os outros de amar!? Não aceitas que usufruam tão simplório sentimento, não é mesmo? “O que há de virtuoso em amar?”, decerto tu te perguntastes, diante do espelho, pela manhã. Logo tu, Karol, que em tão belo e simbólico gesto beijaste o chão sujo, logo tu achaste pecaminoso o beijo!? Karol, pergunto a ti: o que há demais em se amar? Não importa quem, é preciso que o façamos, pois é dele, o amor, que se nutre a vida.
Como seria se tu, pobre Karol, tivestes casado — casar no sentido amplo, da união pelo amor recíproco, que prescinde de maiores formalidades — com uma mulher ou um homem, como melhor te apetecesse? Tu haverias entendido qual o significado do casamento, que extrapola os restritos muros de uma mera cerimônia religiosa, que escapa às garras da burocracia das repartições e dos códigos, que olvida a religião, a cor e também o sexo? Tu entenderias que as pessoas podem amar a quem elas quiserem, ou não amar ninguém, ou mesmo amar a um deus, como tu fazes, sem que ninguém tenha nada a ver com isso?
Perdoe-me o leitor o tom jocoso em assunto tão delicado quanto o é o religioso, mas não se concebe este paradoxo: de um lado a Igreja é contra a relação entre pessoas do mesmo sexo – diz que nesta sua posição não existe preconceito, diz, aliás, que “respeita” os homossexuais – e de outro impõe aos eclesiásticos o celibato. Segundo a Igreja, a razão para essa sua atitude é que da relação entre pessoas do mesmo sexo não brotará um novo ser, o que é contrário à moral. Ora, se da união entre homossexuais não haverá frutos, o que dizer do celibato?
E se proibissem os padres e freiras de praticar o celibato? E se fosse promulgada lei que dispusesse sobre a vida sexual de quem pretende devotar-se aos trabalhos eclesiásticos? “Fica terminantemente proibido a imposição do celibato religioso”, disporia o artigo primeiro. Seria interessante. Argumentos para tal lei não nos faltariam, porquanto dos próprios ensinamentos da Igreja extrairíamos fundamentos para a vedação da abstinência sexual. A Igreja não reconhece e nem é a favor da legalização do casamento entre homossexuais, alegando que a união entre pessoas do mesmo sexo vai de encontro à moralidade, pois esse tipo de relação não é comparável à família, fim maior do casamento. A família, diz a Igreja, se funda na relação entre homem e mulher, obedecendo aos mandamentos de Deus, visto que apenas do relacionamento heterossexual pode fazer-se a procriação.
Então, se a razão para não ser favorável ao casamento homossexual é a impossibilidade da reprodução humana, o que dizer do celibatário? Como ele pode cumprir sua função natural, se não lhe é permitido relacionar-se com outra pessoa? Sendo a procriação a missão maior do homem, não se pode conceber que haja celibato. No artigo segundo: “Terá o celibatário o prazo de trinta dias para encontrar um par do sexo oposto e com ele relacionar-se”. Mas como estamos numa democracia e o Poder não é autoritário, o artigo terceiro poderia muito bem prever condições para que os celibatários ingressassem na complicada vida dos relacionamentos, sem grandes transtornos: “O Estado providenciará a eficaz adaptação do celibatário na efusiva vida dos relacionamentos amorosos”. O burocrata do governo providenciaria roupas da moda, ingressos para boate e criaria um sítio na rede mundial para que os egressos do celibato pudessem conhecer pessoas interessantes...