Rua Lopes Chaves, 546, Barra Funda, São Paulo – SP. No mundo das letras, este endereço é famoso, faz parte de nossa história literária. Aí morou, quase a vida inteira e até a morte, Mário de Andrade, o mestre do modernismo brasileiro, o guru de tantos dos nossos maiores escritores surgidos na primeira metade do século XX e talvez o maior dos nossos epistológrafos, o homem que mais escreveu cartas entre nós, cartas que, para muitos, eram também lições sobre o “como escrever” no espírito da modernidade que veio na esteira da famosa Semana de 1922.
Casa Mário de Andrade
Quando eu morrer
Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na Rua Aurora, Na Paissandu deixem meu sexo, Na Lopes Chaves a cabeça Esqueçam. No pátio do Colégio afundem O meu coração paulistano: Um coração vivo e um defunto Bem juntos. Escondam no Correio o ouvido Direito, o esquerdo nos Telégrafos, Quero saber da vida alheia, Sereia. O nariz guardem nos rosais, A língua no alto do Ipiranga Para cantar a liberdade. Saudade... Os olhos lá no Jaraguá Assistirão ao que há de vir, O joelho na Universidade, Saudade... As mãos atirem por aí, Que desvivam como viveram, As tripas atirem pro Diabo, Que o espírito será de Deus. Adeus.
Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na Rua Aurora, Na Paissandu deixem meu sexo, Na Lopes Chaves a cabeça Esqueçam. No pátio do Colégio afundem O meu coração paulistano: Um coração vivo e um defunto Bem juntos. Escondam no Correio o ouvido Direito, o esquerdo nos Telégrafos, Quero saber da vida alheia, Sereia. O nariz guardem nos rosais, A língua no alto do Ipiranga Para cantar a liberdade. Saudade... Os olhos lá no Jaraguá Assistirão ao que há de vir, O joelho na Universidade, Saudade... As mãos atirem por aí, Que desvivam como viveram, As tripas atirem pro Diabo, Que o espírito será de Deus. Adeus.
Mário Raul de Morais Andrade ▪ 1893—1945
Chamou minha atenção estética a beleza simples, tão brasileira, dos móveis deixados na casa. Principalmente a bela escrivaninha-estante, na qual é provável que tenham sido escritas muitas das obras do autor. É um móvel cuja sóbria imponência se impõe ao olhar respeitoso de quem o contempla. Sua presença domina a pequena sala de modo inevitável, pois invoca a imagem do proprietário estudioso e escrevinhador contumaz. E tem, noutro espaço, o piano e algumas partituras, símbolos do amor de Mário pela música, da qual não foi apenas um diletante, mas também um aplicado pesquisador e professor. A escrivaninha e o piano, emblemas do gosto e do labor criativo andradinos.
Não posso esquecer de citar a imensa foto, em preto e branco, que reuniu alguns dos modernistas de 22. Mário está lá, discreto, em pé, no lado esquerdo. Ao centro, sentado ao chão, monopolizando os olhares, a figura desafiante do rebelde Oswald de Andrade, amigo e rival do dono da casa, a quem maldosamente às vezes chamava de mulato. E a ironia (ou não) é que esse genial mulato, que nunca se envergonhou da negritude da avó, em muito superou, como artista e escritor, o seu desbocado concorrente.
Hotel Terminus, São Paulo, janeiro/1924: Francesco Pettinati, Flamínio Ferreira, René Thiollier, Manuel Bandeira, Haddock Lobo Filho, Paulo Prado, Graça Aranha, Manuel Villaboim, Gofredo da Silva Teles, Couto de Barros, Mário de Andrade, Cândido Mota Filho, Rubens Borba, Luís Aranha, Tácito de Almeida e Oswald de Andrade (sentado ao chão)). ▪ Fonte: Casa M.A. (Instagram)
Lembrando Dorival Caymmi, só me resta aconselhar: se você não foi àquela casa, então vá.