Faz parte do caráter de poucos homens honrar, sem invejar, um amigo que prosperou.
Ésquilo, in Agamemnon
Ésquilo, in Agamemnon
Se as emoções humanas fossem uma daquelas tapeçarias antigas, a inveja se destacaria como um fio defeituoso a contaminar a beleza do conjunto. Meditar sobre esse sentimento — uma pedra no peito de quem o sente — é quase obrigatório para quem deseja chegar ao fim da jornada com o coração pesando tanto quanto pluma.
Inveja é melancolia, infelicidade, dor, inquietação. Com seus longos tentáculos, ela envolve o ser como hera, sufocando a paz e plantando as sementes de um incessante descontentamento. O contaminado deseja punir quem o ofusca, pois sente-se afrontado pelo sucesso, fama, riqueza ou talento de amigos, inimigos e desconhecidos.
Há 2.500 anos, Ésquilo bem traduziu a pior face da inveja: aquela que tem por alvo um amigo. Na sua atemporal tragédia Agamemnon, o dramaturgo grego identificou como raros os que podem celebrar genuinamente a prosperidade de seus amigos. Ésquilo nos faz olhar para dentro de nós e examinar se, em face da beleza, da alegria ou dos dons de alguém próximo, teríamos a grandeza de celebrar junto, de unir a nossa voz à dos elogios, de encorajar o trabalho ou de louvar uma trajetória vitoriosa por vezes construída em anos de árdua dedicação e persistência inabalável.
Para muitos, é mais fácil dar apoio quando o outro está alquebrado, ferido ou desonrado, pois nesse caso olham o amigo de cima para baixo, estendendo supostas mãos magnânimas. Olhar de baixo para cima, para um palco iluminado em que o outro recebe flores, é mais difícil de suportar. Há mais de dois milênios, o velho grego, com seu agudo poder de observação atestou como são incomuns os que conseguem tal feito.
É uma pena que sejam tão poucos, pois a capacidade de honrar a boa fortuna de alguém é valiosa virtude. Alivia o coração, transforma em inspiração o que poderia ser um sentimento mesquinho e nos engrandece aos próprios olhos.
Penso que é um risco andar pela vida desapercebido que a inveja permeia a trajetória humana. Ela nos espreita a cada esquina e não só quando somos as vítimas, mas também quando a abrigamos no peito. É que, curiosamente, nos achamos sempre alvo da inveja mas raramente nos reconhecemos no papel do invejoso. No entanto, é forçoso admitir a si mesmo quando a inveja se aninhou em nós com seu potente coquetel de amargura e despeito. Exige coragem.
A mente é astuta. Ao detectar a inveja em meio aos nossos sentimentos, imediatamente dá-lhe um nome menos vergonhoso. Então a chamamos de raiva, frustração, sentimento de injustiça ou tristeza, por exemplo. Melhor examinar bem e quanto mais cedo admitir, melhor. Chamamos de raiva e de injustiça quando acreditamos ser errado outros receberem algo que caberia a nós. Damos o nome de tristeza e frustração quando a alma dói pelo aplauso que gostaríamos fosse a nós dirigido. Denominamos indignação à inveja dos milhões acumulados na conta de gente que julgamos não merecedoras. É do comportamento infantil examinar as coisas superficialmente ou escamoteando-as. De um adulto espera-se que se observe com seriedade a fim de compreender as paixões que o movem e a real natureza de seus sentimentos. Em seguida, chamá-los pelo seu verdadeiro nome.
O ser humano tem dentro de si um monstrinho cobiçoso que deseja possuir tudo de bom que vê pela frente, lamento dizer. Um monstrinho voraz, insaciável, vaidoso e matreiro, que adora revestir seu ressentimento com a capa das boas intenções. Alimentado, ele espalha seu veneno sob a forma de comentários depreciativos e pode se converter em instrumento de destruição. Reconhecer isso nos mantém mais longe de seus dentes afiados.
Pessoalmente, prefiro manter abertos os olhos, a fim de não me igualar aos invejosos que no Purgatório de Dante Alighieri colavam-se às paredes, lamentosos, vestidos em grosseiras roupas cor de pedra e tinham os olhos costurados com arame. Assim os mostra o poeta:
"E como o sol não chega até os cegos, também aqui, às sombras de quem eu falo agora, a luz do céu não quer mostrar-se, pois a todos um fio de ferro fura as pálpebras e as costura, assim como se faz com o gavião selvagem que se recusa a ficar quieto."
Mil e setecentos anos depois de Ésquilo, o florentino Dante retirou a luz dos olhos dos invejosos. Uma bela metáfora do que fizeram a si mesmos. E quem há de negar que a inveja torna cego quem a alimenta; que faz fechar os olhos à luz da generosidade e aprisiona a alma em escuros calabouços?Um dos artistas que melhor leram os tortuosos meandros da alma humana foi William Shakespeare. Eu poderia citar Othello, cuja tragédia nasce da mente doentia de Iago, na qual inveja, cinismo, desonestidade e frieza se unem para destruir quaisquer traços da felicidade alheia. Há inveja permeando muitos outros personagens nas grandes tragédias de Shakespeare, mas prefiro hoje me deter em um poema.
O Soneto 29 é uma reflexão profundamente humana sobre a natureza da adversidade e da redenção. Nele, um homem lamenta sua condição e suas inadequações ao se comparar com os outros. Esmagado, contempla com revolta os seus pares bem-sucedidos. A inveja o consome e ele vê a si mesmo excluído da graça divina. No entanto, em meio a tal angústia, brilha de repente uma esperança - a lembrança de um amor que o faz abandonar os lamentos e transforma a sua visão sombria, permitindo-lhe se sentir abençoado e elevado acima de suas aflições.
A genialidade de Shakespeare compacta em quatorze versos a complexidade da alma a oscilar entre desespero e esperança. O poeta traduz com perfeição o tormento que caracteriza o estado de espírito dos picados pela inveja e, em seguida, habilmente, aponta o caminho para a pacificação e o reerguimento: o amor capaz de afetar a mente, transcendendo as limitações da condição humana.
Ao ler a parte final do soneto, a gente se vê sorrindo. De que importam as passageiras felicidades materiais, as transitórias honras e títulos ou a beleza que fenece com o passar dos anos? Maior que tudo é a doce atmosfera de intensa emoção e introspecção que nos conecta ao que de melhor possuímos. Para trás ficam a inveja e seu cortejo de agonias.
Com esse soneto, Shakespeare ensina que a inveja, embora formidável, não é insuperável. Afetuosamente, ele nos chama a confrontar as inseguranças que carregamos; convida a desenterrar as raízes do que vive em nós, pondo às claras sentimentos de inadequação, medo do fracasso e desejos de validação. Ao reconhecer e abraçar essas vulnerabilidades, desarmamos o império das aflições autoimpostas, transformando a inveja de arauto do desespero em agente de crescimento pessoal e realização.
Eis o poder de um grande artista. Escreve um poema que quatrocentos anos depois segue como testemunho de nosso potencial para alcançar o extraordinário. Ao acolhê-lo no terreno fértil do coração, honramos não apenas a nós mesmos, mas a grande tapeçaria da humanidade, fazendo de nossa história um fio que, embora humilde e perdido entre milhares de outros, com dignidade tece uma narrativa de amor e triunfo compartilhado.
P.S. Esse texto é dedicado a todos os leitores e amigos que, com o coração de pluma, têm apoiado o meu trabalho. Muito obrigada pelas mensagens amorosas e generosas. Para um escritor, tem um valor incalculável.