O livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, contém passagens semelhantes às que encontramos em Êxodo. Como o povo do Egito partiu ...

Graciliano e a religião

graciliano ramos religiao
O livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, contém passagens semelhantes às que encontramos em Êxodo. Como o povo do Egito partiu pelo deserto em busca de vida nova, no Sertão do Nordeste assolado pela seca, em estio prolongado, uma família estonteada pela fome busca terra onde possa encontrar água e pão, conta o narrador de Graciliano.

A partir de leituras, ele aproveitou nossos problemas sociais para fazer memória relacioná-los a um acontecimento bíblico de relevante sentido. Conhecemos pouco de Graciliano, diante da grandiosidade de sua obra. Montamos seu perfil com base em depoimentos e escritos produzidos desde quando despontou como um dos maiores escritores nacionais.

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CC0
Para falar da relação do autor de Memórias do Cárcere com a religião e a espiritualidade cristã, na minha abordagem recorro ao depoimento do poeta Murilo Mendes, seu conterrâneo.

Com prosa refinada, o poeta alagoano retratou o amigo com revelações surpreendentes. Disse que Graciliano era homem caturra, independentemente de suas atitudes, e que emitia gestos surpreendentes e pouco agradáveis.

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Murilo Mendes
Fundação Rui Barbosa
Murilo Mendes revelou que Graciliano exercia funções no Colégio de São Bento, no Rio de Janeiro, quando o presidente Dutra declarou a ilegalidade do Partido Comunista, ao qual era filiado, e que, para não constranger os monges beneditinos, o escritor solicitou desligamento do educandário. Pediram-lhe para continuar, pois, era muito estimado pelos religiosos, tendo Graciliano concordado em permanecer.

O poeta observou que, certa vez, o romancista de Alagoas participou de solenidade de investidura de Dom Martinho Michler na função de abade do Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, uma cerimônia demorada, com duração de, pelo menos, três horas. Em pé, ele acompanhou o ofício por meio do texto litúrgico próprio para a ocasião. Depois, como manda a tradição hospitaleira dos beneditinos, os convidados foram recepcionados com almoço no amplo refeitório, entre eles Graciliano.

Conforme depoimento de Murilo, dias depois em conversa descontraída, quando falavam sobre a solenidade dos monges beneditinos, ainda tocado pelo ritual litúrgico ao qual tinha assistido dias antes, respondeu ser, no fundo, espiritualista, “tendo aderido ao marxismo por julgá-lo a única doutrina capaz de colocar na sua justa dimensão o trabalhador brasileiro”. Sem confessar abertamente, talvez ele admirasse Jesus pelas posições deste em defesa da vida.

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Graciliano Ramos Biblioteca São Paulo
“Detesto a burguesia e seus partidos, detesto esses políticos safados, patifes, canalhas que só querem saber de dinheiro e nada mais”, com essas palavras, teria respondido o romancista.

A fome tem forte identificação entre Vidas Secas e Êxodo. No desespero silencioso, Fabiano arrasta a família em busca de alimento, que dificilmente encontra, ao contrário de José que abriu os armazéns com cereais para alimentar o povo de Jacó. Em épocas diferentes, cada família experimentou sua tragédia: no Egito, sabiam que encontrariam alimento; no Sertão, essa era uma remota perspectiva. Nas duas situações, porém, o povo nunca perdeu a esperança.

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Viviane Fonseca
Em suas memórias, Murilo revelou ter o amigo confidenciado que, se no Brasil existisse partido cristão bem organizado, certamente se filiaria a ele.

O autor de São Bernardo penetrou na alma do povo. Compreendendo a proximidade dos espaços da eternidade, se tornou espiritualista. Acredito que esse olhar para o Transcendental começou cedo, ainda quando morava no interior de Alagoas.

Ele buscava entender a alma humana, assim como fizeram Dostoievski, Freud, Kafka, Pirandello e tantos outros que sondavam os desdobramentos da vida em suas diferentes situações.

Graciliano Ramos, com ressalvas, falava desse estranho relacionamento com a religião, mesmo que tivesse amigos padres. Seu primeiro livro, Caetés, teria sido redigido no silêncio da sacristia em Viçosa.

Em Caetés e no romance São Bernardo, é clara a presença da religião nas falas de seus personagens.

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Viçosa (AL) Julio Vasconcelos
A partir de alguns personagens de seus romances, sutilmente, ele atina para o transcendental. Em Vidas Secas, diversas vezes, fala do Rosário pendurado no pescoço de Sinhá Vitória. Nesse livro, encontramos muitas conotações religiosas, imagens que lembram a narrativa bíblica e muita fé na família de sertanejos. Naquele espaço inóspito, bando de arribaçãs que voam sobre a caatinga, lembra a praga dos gafanhotos citada em Êxodo.

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  1. Murilo Mendes nunca foi conterrâneo de Graciliano.

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  2. Pelo amor de Deus! Graciliano não merece isso!

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