Meu caro Tarcísio Pereira, por indicação sua, fiz uma visita ao Panteão Nacional de Lisboa, instituição monumental cuja existência, confesso, ignorava completamente. Conhecia o Pantheon romano, erigido por Marco Agripa, general de Augusto, e o Panthéon francês, em Paris, construído para ser o templo da República, cujo braço forte era a poderosa Convenção Nacional, consequência da Revolução Francesa.
A diferença entre eles, como você bem sabe, Tarcísio, é que o primeiro, com inspiração grega, tem a sua função explicitada pelo seu, cujo significado é “em que se encontram todos os deuses” (πάνθεων), obviamente, com o nome “templo” implícito. Os outros dois, o francês e o lusitano, destinam-se a abrigar os heróis da pátria, conforme está explicitado no frontispício do edifício parisiense, no final da Rue Soufflot:
Aos grandes homens, a pátria reconhecida.
M. Kirkgoz
Panteão ▪ Lisboa
Você conhece bem o espaço, Tarcísio, mas não custa lembrar que ali se encontram Pedro Álvares Cabral, que abriu as portas do Ocidente para Portugal; Nuno Álvares Pereira, o grande herói da pátria portuguesa, apoiador de D. João, o Mestre de Avis, a ocupar o trono português, após a morte de D. Fernando, o fraco – “um fraco rei faz fraca a forte gente”, diz Camões, em Os Lusíadas –, que arriscava ficar nas garras castelhanas, numa espécie de antecipação de 1580. Nuno leva à frente, com unhas e dentes, o apoio ao rei D. João I, e se torna crucial na Batalha de Aljubarrota (1385), determinando, enfim, a independência portuguesa, com relação aos Castelhanos. Camões, cujo cenotáfio também está no Panteão Nacional – o túmulo está no Mosteiro dos Jerônimos – é quem narra, com minúcias o episódio, no Canto IV de Os Lusíadas.
Cenotáfios de Luís de Camões (ESQ) e Pedro Álvares Cábral no Panteão de Lisboa.
O que se fez com relação a Camões, também se fez com Vasco da Gama, simbolicamente presente no chamado túmulo honorário ou “túmulo vazio”, tradução literal de cenotáfio (κενοτάφιον), cujos restos mortais se encontram igualmente nos Jerônimos. Acredito, Tarcísio, que poderia ser feito o mesmo com o imenso Alexandre Herculano, também no famoso mosteiro de Belém. Destaco, ainda, meu amigo, a presença, no Panteão Nacional, da grandiosa poeta Sophia de Mello Brayner Andresen, cujos poemas vivificam a tradição helênica.Túmulo da poeta Sophia de Mello Brayner Andresen.
Confesso-lhe, no entanto, Tarcísio, que senti falta de alguém. Alguém muito importante. Nem vou falar de Gil Vicente, cuja presença no Panteão deveria ser óbvia, de uma obrigatoriedade incontornável, pois, no meu entendimento, Camões (1524-1580 não aconteceria tão cedo, sem um Gil Vicente (1465-1536) que o precedesse. Basta ver a monumental obra do linguista e lusitanista Paul Teyssier, A língua de Gil Vicente (2005), publicada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda de Lisboa. Quem sabe essa injustiça haverá de ser reparada um dia.Eça de Queiroz ▪ 1845—1900
E, a rigor, nem precisaria vir à luz A ilustre casa de Ramires (1900). Que maravilha ele ter sido produzido, ainda que publicado postumamente! Trata-se, Tarcísio, de um dos maiores romances da Literatura de Língua Portuguesa, extremamente moderno na construção e na essência, ainda, e por isto mesmo, que trate do doentio apego do ocioso Gonçalo Mendes Ramires à sua ascendência milenar nobre e guerreira, mas sem conseguir a vergonhosa decadência em que afunda.
Se tivesse Eça ficado em A relíquia (1887), já teríamos um bom exemplo de sua evolução como escritor, tão distante do naturalismo de carteirinha de O crime do Padre Amaro (1875) ou de O primo Basílio (1878).
M. Marques Jr
Intrigado com a ausência de Eça de Queirós no Panteão Nacional, procurei me inteirar, meu amigo, sobre a razão. Soube, Tarcísio, que alguns descendentes de Eça de Queirós, embargaram na Justiça o traslado dos seus restos mortais para o Panteão, quando tudo estava preparado para acontecer. Há, no entanto, uma notícia alvissareira, meu amigo: uma decisão de 2023, do Supremo Tribunal Administrativo, anulando o embargo e autorizando a instalação do seu túmulo naquele templo. Não há, ainda, uma data, para que a solenidade ocorra, mas espero que possa, em breve, acontecer.
Círculo Central do Panteão Nacional de Lisboa.
Desta Coimbra chuvosa e ainda fria, “cidade graciosa onde dormita Minerva”, como disse Eça de Queirós, terra onde Camões viveu, estudou, amou e eternizou no episódio de Inês de Castro, envio-lhe, meu amigo, um grande e saudoso abraço.
Milton Marques Junior