O filme “Precisamos falar sobre Kevin” conta a história de Eva Katchadourian, mãe de um “garoto Columbine”, como ficaram conhecidos os meninos que assassinam colegas de escola. Seu primogênito, Kevin, assassinou friamente onze pessoas no colégio onde estudava. Eva levava uma vida tranquila, casada com um homem romântico e bem-sucedido. Porém, a maternidade a transportou para um mundo cheio de incertezas e regras.
Para a psicanalista Helene Deutsch, há pelo menos dois tipos de maternidade: “Um tipo é a mulher que desperta para uma nova vida através de seu filho, sem ter o sentimento de perda. Tais mulheres desenvolvem seus encantos e sua beleza somente depois do nascimento de seu primeiro filho; o outro tipo é uma mulher que desde o princípio sente uma espécie de despersonalização na relação com seu filho; tais mulheres dedicam seus afetos a outros valores (erotismo, arte ou aspirações masculinas) ou esse afeto é demasiado pobre ou ambivalente em sua origem e não pode tolerar uma nova carga emotiva; o primeiro tipo entende seu eu através da criança, o segundo sente-se limitado e empobrecido”.
Eva, a mãe de Kevin, se classifica no segundo tipo. Ela certamente nutriu durante a gravidez as idealizações e ilusões de uma mãe de primeira viagem. Quando percebe que seu filho tem um comportamento rude e fora do normal, adota a conduta da negação, pois não admite o ódio que sente pelo menino. A sociedade instaurou o “mito do amor materno”, fazendo a maioria acreditar que tal amor é um dever moral e social. Kevin expressa desde cedo características próprias de um psicopata – frio, manipulador, mentiroso e preocupado apenas com sua satisfação. O título do livro/filme não poderia ser mais oportuno, porque o tempo todo é protelada a conversa que o pai e a mãe deveriam ter entre si. O garoto é ardiloso e ganha a confiança do pai, que ignora as reações da mãe. Eva não insiste. O pai prefere estar envolto numa atmosfera de “família feliz”. A maioria das histórias de psicopatas que matam mostra que eles costumam ser pessoas pacatas, que vêm de famílias com poucos conflitos, as ditas normais.
Essas famílias são o retrato da contemporaneidade. Elas vivem relações superficiais, com pouco diálogo, cada qual voltado ao seu mundinho. E Kevin, por ironia, parece ser a pessoa que mais assimila isso. A correria do dia a dia acaba assolando os laços afetivos. Há pais que se preocupam em proporcionar conforto físico, com regalias, superficialidades, mas não ofertam o principal: o acolhimento às emoções. Assim foi com Eva, que necessitava de ajuda, porém não soube encarar a realidade. Imagine o choque ao constatar que seu filho é um psicopata!
Essa é uma narrativa que, antes de tratar da psicopatia, aborda a incomunicabilidade no seio familiar. Da família que diariamente põe a poeira debaixo do tapete. De quem é a culpa? Da mãe? Do pai? Da sociedade ou do filho que já nasceu psicopata? Mais do que encontrar culpados, precisamos procurar uma solução. Cada caso é único. O estudo da psicopatia não é uma ciência exata.