Nas pequenas cidades espalhadas pelo interior a convivência é como em uma grande família, de tudo acontece ...

Coisas de cidade pequena

cidade interior velorio caixao defunto
Nas pequenas cidades espalhadas pelo interior a convivência é como em uma grande família, de tudo acontece um pouco. É um universo em miniatura. As pessoas se conhecem, se tratam pelo nome, no mais das vezes, por apelidos íntimos ou jocosos. A maioria possui laços sanguíneos, outros se dão por camaradagem, há momentos de afetividade, e não raro de quebra-pau. Amam-se e se odeiam.

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Antônio David Diniz
Um traço forte da índole do interiorano é a boa conversa, de preferência, aquela ao pé do ouvido. Lá se sabe de tudo que acontece e, possivelmente, o que irá acontecer, não há segredo que se sustente, e quanto mais cabeludo parecer, mais rápido se propaga. Ao final da conversa animada, vem o arremate com candura: ¨Que não estão falando de ninguém, apenas comentando.¨ E ninguém escapa das más-línguas. Quando se esbarra com um amigo ou conhecido, depois dos cumprimentos de praxe, salta a pergunta infalível: ¨Quais são as novidades?¨ E fica-se à espera com um sorriso no canto da boca.

Outra marca da gente interiorana (nossa gente) é a presença de espírito, não titubeia, tem a resposta na ponta da língua para qualquer indagação. E se mexer com ele, não precisa esperar muito, o troco vem em cima da bucha. E o matuto? Esse sim, é um tipo curioso, só tem de besta mesmo a cara e o caminhar; fala mansa, olhar baixo, um pouco curvado, manhoso que só ele, dá o bote e esconde a unha. Ninguém consegue enganá-lo. Quando o sabichão imagina que passou a perna no bocó e que vai tirar proveito da situação, vem logo à frustração, dá-se conta que foi passado para trás, ludibriado, torna-se alvo da zombaria da turba.

Antônio David Diniz
Há os tipos populares, aqueles que chamam a atenção por seus dotes burlescos: uns são piadistas, tiram proveito das situações grotescas do dia a dia para lançar o seu veneno; não falta também o contador de ¨causo¨ , que jura de pés juntos que é a mais pura verdade; há os que não pagam o que devem, e não negam, nem se deixam abater; há o poeta, o repentista, o cordelista, o trovador, e o orador, esse é imprescindível nas solenidades oficiais.

Dentre tantas figuras do anedotário, Expedito Fonseca foi uma que marcou época em Conceição do Piancó, e mesmo depois de morto, suas façanhas continuam acesas no imaginário popular.

Em épocas passadas não havia lojas de móveis, e muito menos, casas funerárias. Quando alguém falecia, o marceneiro era chamado, a qualquer hora do dia ou da noite, para fazer o caixão. Muita gente se acordava tarde da noite com as marteladas na oficina. O barulho do martelo era o sinal que alguém havia passado desta para melhor.

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MS
Expedito Fonseca, entre outras profissões, foi marceneiro, aprendeu o ofício com o pai. Certa vez, ele de porre, errou a medida do falecido. Caixão pronto, o finado era maior, coisa pouca, não cabia os pés; vira e mexe, puxa para cá e para lá e nada. Os familiares já aborrecidos, as reclamações. Além da dor da perda, ter que passar por esse vexame. A coisa estava feia para o lado de Expedito Fonseca; cabeça fria, já havia bolado um plano para sair da enrascada. Matreiro que só ele, não era coisa de se espantar. Como era tarde da noite, só havia uns poucos familiares, e esses, se afastaram para tratar da situação. Foi o tempo que Expedito Fonseca precisava. Com dois golpes de faca decepou os tendões e ligamentos que uniam os pés aos músculos das pernas, torceu os pés como mocotó de porco, e o cadáver se acomodou direitinho no caixão.

Criativo, arrumou bem, cobriu com flores, disfarçou, e não se falou mais no assunto.

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  1. Belo descrição das cidades pequenas do nosso interior

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  2. Texto maravilhoso!muito bom!!!

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