Há uma certa tendência talvez elitista a se evitar “chefa” como feminino regular de “chefe”. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portug...

Chefe, feminino: Chefa

Há uma certa tendência talvez elitista a se evitar “chefa” como feminino regular de “chefe”. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Academia Brasileira de Letras, 1999) recomenda “chefe” para os dois gêneros. O Aurélio segue essa orientação. Os dicionários de Moraes Silva (Diccionario da língua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813, s.v.), Laudelino Freire (Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957, s.v.) e Caldas Aulete (Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro: Delta, 1980, s.v.), registram “chefe” apenas como substantivo masculino, excluindo talvez a possibilidade de se considerar a forma como comum de dois. O Aurélio registra “chefa” como forma popular.
O Houaiss aceita o feminino “chefa” como informal. Parece-me natural, no entanto, que se aceite a forma “chefa”, não como feminino popular ou informal, mas como feminino próprio, independentemente do registro ou do grau de formalismo do discurso.

Existem obras várias que registram a forma feminina “chefa”: Luiz Autuori, no seu livro Nos garimpos da Linguagem ( 7.ed. rev., aum. e atual. Rio de Janeiro: Record, 1976, p. 62), recomenda “chefa” como feminino de “chefe”. O mesmo faz Cândido Jucá (filho), no seu Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa (4.ed. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1970, s.v.). No romance Dona Guidinha do Poço, de Manoel de Oliveira Paiva, há pelo menos uma ocorrência do feminino “chefa”:

“Findo o tríduo eleitoral, Dona Guida, que estava passando a Festa na vila e, ao mesmo tempo, prestando seus serviços de chefa, acendendo os ânimos, mandando encher a barriga da soberania popular com matutagens e dinheiro, tão desapontada ficou com a derrota, que não quis demorar para o Ano Bom, retirando-se para a fazenda”
PAIVA, Manoel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.], p. 86

Ora, se “chefe”, embora empréstimo do francês, está tão enraizado na língua que já encabeça todo um paradigma de derivações (chefia, chefatura, chefiar, chefete, chefão, chefiar), inexistentes na língua francesa, não há razão para que não se considere“chefe” como integrante legítimo do nosso léxico, isto é,
como um nome de tema em –e que segue regularmente o paradigma flexional de nomes como “mestre”, “parente” ou “presidente”, que fazem “mestra”, “parenta” e “presidenta”, no feminino. Curiosamente, no verbete “comum de dois”, a primeira edição do Aurélio dá o exemplo, entre outros, de “presidente”, não admitindo, portanto, a forma “presidenta”. Mas “presidenta” estava registrado nessa edição em verbete próprio. A segunda edição eliminou essa contradição, mas manteve “presidente” como substantivo masculino, excluindo a possibilidade de uma forma feminina própria, apesar de registrar “presidenta” em verbete próprio. A terceira edição, já preparada pelos herdeiros, manteve a incoerência: registra “presidente” com substantivo dos dois gêneros, mas mantém o verbete “presidenta” como feminino de “presidente” (designando tanto a esposa do presidente quanto a mulher que exerce a função de presidir). Na versão em CD, da Apositiva, já pela nova ortografia, o Aurélio manteve presidente como dos dois gêneros, e registra como forma exclusivamente masculina o nome “presidente” para presidente da república, mas em verbete próprio registra “presidenta” como feminino regular de “presidente”. O Houaiss, na versão em CD, também registra “presidente” como substantivo e adjetivo dos dois gêneros, mas registra em verbete próprio o feminino “presidenta”.

Quanto ao feminino “chefa”, afinal, se há uma gramática (embora uma gramática especial), a de Luiz Autuori; um dicionário, o de Cândido Jucá (filho); e um romance, o de Manoel de Oliveira Paiva, que atestam o feminino “chefa”, por que essa resistência em não admiti-lo como aceitável, independentemente do grau de formalismo do enunciado?
padre vigario sacerdote verbo vicario
José Augusto Carvalho, Mestre em Linguística pela Unicamp e Doutor em Letras pela USP, é autor de vários livros sobre língua portuguesa, entre os quais uma Gramática Superior da Língua Portuguesa (2011) e um Pequeno Manual de Pontuação em Português (2013) ambos pela Thesaurus, de Brasília.

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