Quando era criança gostava de me deitar na calçada de pedras da minha casa e ficava olhando as estrelas no céu, não contava nem apontava para as estrelas porque diziam que criava verrugas e achava feio um dedo cheio de verrugas como o da minha amiga Janice.
Recentemente tive o prazer de ver o céu estrelado semelhante ao da minha infância, mas em outras paragens, Barra de Camaratuba, litoral norte da Paraíba e reencontrei as Três Marias, os Três Reis Magos que formam a constelação de Orion. Vi também o Cruzeiro do Sul, apontando sempre para o Sul. Cidade pequena, pouco iluminada, o brilho das estrelas dão um novo encanto ao céu sem nuvens.
Lembrei-me de “Modinha”, de Sérgio Bittencourt e resolvi parafraseá-la:
Vejo as estrelas no céu
sonho um sonho pequenino.
Se eu pudesse voltar a ser menina
eu roubava essas estrelas
e ofertava toda prosa
ao primeiro namorado.
Minha cidade era pequena como Barra de Camaratuba, pouco iluminada e as noites eram dedicadas às brincadeiras infantis – cantigas de roda, toca, passa anel, chicote queimado, havia também as histórias de Trancoso contadas por Chicuta à boca da noite. Não se contava histórias durante o dia para não criar rabo.
Chicuta era natural do Engenho Baixa Verde, situado no brejo paraibano, chegou ao sertão seridoense na companhia de familiares e logo se aclimatou, nunca casou, não teve filhos, dotada de uma memória privilegiada seu mundo era povoado por reis, príncipes e princesas, acho que tinha algum parentesco com a velha Totônia, de José Lins do Rego.
Com Chicuta aprendi a gostar de literatura de cordel sem saber ainda o que era o cordel. Lembro-me bem da história da Princesa da Pedra Fina, Juvenal e o dragão, Donzela Teodora e de muitas outras histórias. Seu mundo imaginário e encantado era maior do que a noite. Não sei como conseguiu decorar tantas histórias.
João Cabral de Melo Neto, no poema Descoberta da literatura, fala sobre as férias no engenho da família, em Pernambuco, e o dia mais aguardado era o sábado quando os moradores do engenho se dirigiam à feira e voltavam com um “folheto quenzo” que o filho do senhor de engenho lia no alpendre da casa-grande. Chicuta não lia folhetos, tinha-os decorados e sabia imprimir um tom de veracidade às histórias que contava. Não teatralizava como a velha Totônia, mas era incansável na arte de contar histórias.
Um dia ficou velhinha e foi morar no Abrigo de São Vicente em Campina Grande, certamente, no convívio com outros velhinhos, contou essas histórias para seus colegas. Como diz o poeta Drummond no poema Memória:
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Chicuta voou para o céu dos passarinhos, mas as histórias que contou nas noites enluaradas do sertão nordestino ficaram gravadas na mente e nos corações das crianças.