Demorei algum tempo para compreender o verdadeiro valor do autorrespeito. Hoje, conheço o seu custo e as recompensas que traz. Torn...

Autorrespeito

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Demorei algum tempo para compreender o verdadeiro valor do autorrespeito. Hoje, conheço o seu custo e as recompensas que traz. Tornou-se fundamental para regular as minhas interações, impedindo-me de me tornar joguete das circunstâncias e de ideias corrosivas alheias, especialmente nestes tempos em que a comunicação virtual nos expõe a um mundo de cruezas para as quais nem sempre estamos emocionalmente preparados.

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Modigliani, 1918
O que chamo de não perder o rumo de mim mesma é um conjunto de princípios construídos para viver em paz. Uma forma de disciplina à qual dedico atenção constante. Tornou-se uma espécie de ritual que me ajuda a lembrar quem sou, do amor que carrego, das regras de civilidade que me são caras.

Um desses princípios é manter sempre em mente que a humanidade e toda a sua criação – desde a roda até a inteligência artificial – possui um duplo aspecto. A mão que afaga, também sabe apedrejar. Na vida real e na virtual considero que, paralelamente às novas amizades e descobertas agradáveis, existe uma infinidade de encontros nos quais agressividade, deboche, maledicência, mesquinharia, calúnia e ingratidão encontram vazão e lugar. Requer doses substanciais de autorrespeito e discernimento para não cair em suas armadilhas.

Não costumo lamentar tais experiências negativas. Após o impacto inicial, resta-me um pequeno acervo de aprendizados. Um livro com capa manchada, porém repleto de sabedoria e boas histórias. Contemplo pacientemente o meu passado, compreendendo que tracei meu caminho com muito esforço e instantes memoráveis, mas também com dores resultantes de escolhas nem sempre acertadas. Não as deploro e não as esqueço. Talvez grande parte do que sou derive desse conjunto
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Modigliani, 1919
de momentos dolorosos, porém indubitavelmente enriquecedores.

Entretanto, estou bem consciente do quanto a perversidade tem potencial para destruir vidas. Se acontece na vida real, imagine na virtual, na qual um exército de sádicos surge disposto a agredir estranhos. Nesse aspecto, quase nada posso fazer a não ser recusar-me a participar de tais linchamentos e de grupos que alimentam um espírito de seita voltado para a corrosão de reputações dos considerados adversários e glorificação cega dos tidos como ídolos. Eu perderia o respeito por mim se agisse dessa forma - a ninguém permito derrubar os valores que considero sagrados. Não me considero superior por agir assim, pois vejo essa decisão como um ato racional de autopreservação possível a qualquer pessoa.

O autorrespeito é meu antídoto pessoal contra certos venenos que permeiam a alma humana e penetram na corrente sanguínea das relações interpessoais. Construí dentro de mim um refúgio seguro de autoavaliação. Esse espaço rejeita falsidades. Nele, há apenas dois objetos: um holofote e um espelho que refletem quem sou sem disfarces. Não vou iludi-los, é desconfortável encarar a própria essência, mas parece-me ser condição obrigatória para conquistar o apreço por mim mesma e poder contemplar o reflexo sem temor.

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Modigliani, 1919
Aprecio o exame rigoroso de cada ato. Não me deixo impressionar por boataria, sorrisos forjados, supostas boas intenções, vaidades vazias, vitórias questionáveis, falsidades ditas com cara boa e hipocrisias disfarçadas de nobreza.

O que vale para mim é o palpável, o gesto em si. Qualquer sinal de que o “amigo” ou “amado” se regozija em me causar perturbação ou sofrimento é razão para que eu me afaste. Destaco a palavra “regozija” na frase anterior. Indica prazer em causar o mal. Revela premeditação: a pessoa aguarda apenas uma oportunidade para apontar expor, destruir, desestabilizar. Um verdadeiro amigo age de forma diferente.

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Modigliani, 1917
O autorrespeito é libertador. Não depende da validação alheia. Vive por si só e está disposto, inclusive, a não ser compreendido. É o preço a pagar pela convicção ética.

O contrário, entretanto, é um fardo adicional. Trair a si mesmo é ultrajar-se aos próprios olhos. A consciência revive cada falha, numa batalha constante para esquecer as vezes em que abandonou as próprias convicções ou se degradou por interesses de ocasião, covardia, ciúmes ou desatenção. Escapar desse tormento pessoal só é possível por meio de duas rotas: prevenção e auto perdão.

A primeira rota de fuga desse inferno particular é uma análise prudente que evita ações desonrosas. É mais rara. A segunda envolve uma avaliação fria das circunstâncias, reconhecimento das próprias falhas e uma determinação para se reerguer sem se permitir o autoengano, esse perverso adversário que costuma se apresentar quando somos confrontados pelas consequências dos nossos atos. Nessas ocasiões é natural que contemos a nós e aos outros histórias destinadas a fazer sobreviver com alguma dignidade a nossa autoimagem fraturada. Desejamos desesperadamente que sejam versões reais e nos refugiamos em desculpas que podem até funcionar para os outros, mas nada valem perante a própria consciência. Esta é território habitado por crua honestidade capaz de promover uma reconciliação consigo mesmo e assumir a responsabilidade pela própria vida.
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Modigliani, 1916
Eis é a semente do autorrespeito. Ele nos impõe disciplina, planta dúvidas e faz pesar certas recompensas que desejamos nos permitir.

Obviamente, isso não é verdade para todos. É necessário possuir alguns valores éticos bem estabelecidos para examinar os próprios atos. É o que nos desperta no meio da noite para reavaliar nossas ações e decisões. Quem não os possui, ressona madrugada afora sem que nada o perturbe.

Há grande mérito em não se alienar, em lutar para escapar das bolhas ideológicas e modismos que alimentam revolta, cinismo e ódio; em saber dizer não, recusando-se a ofender desconhecidos por causa de bagatelas; em condenar precipitadamente, em se deixar intoxicar por rancor. Faz-se necessário, mais do que nunca, meditar sobre a diferença entre a palavra justa e a ignorância disfarçada de opinião; o silêncio sábio e a autocensura impulsionada pela covardia. Se no mundo real, tudo isso demanda muito de nós, causando desgastes, nos relacionamentos virtuais tudo piora. Sem o amparo da proximidade, até mesmo um comentário mal interpretado pode desencadear crises desproporcionais.

Em contrapartida, libertar-se das expectativas e manipulações alheias, com suas fofocas e melindres, é um gesto de autoamor. Nele há uma recusa em se tornar marionete de vontades externas ansiosas por determinar escolhas e comandar destinos alheios.

Recuperar o controle sobre nossas emoções – aqui reside o singular poder do respeito a si mesmo.

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