“O que leva um contestador da Academia a nela ingressar?”, perguntava eu, nos idos de setembro de 1990, a Humberto Cavalcante de Mel...

Arena sem voto e juiz sem cabeça

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“O que leva um contestador da Academia a nela ingressar?”, perguntava eu, nos idos de setembro de 1990, a Humberto Cavalcante de Melo. Resposta do homem: “O acréscimo dos anos não nos aumenta a sabedoria”. Na ocasião, eu o entrevistava para a Revista A CARTA, publicação semanal do editor Josélio Gondim.

Dei à matéria o título “O novo imortal”. E o subtítulo: “Academia Paraibana de Letras abriga um inacadêmico dos anos 50 e juiz cassado em 1969”. Isso mesmo, cassado pelo presidente Costa e Silva depois de haver presidido, um ano antes, as eleições para prefeito de Monteiro.
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Juntamente com a dele, o repugnante Ato Institucional nº 5 também cortava, temporariamente, a carreira de outros dez juízes, estranhamente, em cidades onde a Arena, o partido do governo, perdera as Prefeituras. Com a reabertura democrática, assim dita, Humberto voltava à Magistratura sem outro propósito que não fosse o de alcançar a aposentadoria.

Durante seu discurso de posse na APL faltou luz. Não na verve, no caráter espirituoso das suas tiradas, mas no recinto, por conta da sobrecarga nos transformadores da então Saelpa instalados em pontos nevrálgicos de uma cidade que inchava, corria, consumia e padecia. Quase tudo era bem diferente da pacata João Pessoa que Humberto vira crescer e mudar para pior. Tinha ele 56 anos de idade quando daquele nosso encontro.

Por que lembro, agora, de tudo isso? Pois bem, por ter achado, ao acaso, o recorte d’A CARTA com nossa conversa. Guardo páginas e páginas dessa revista tão finada quanto, infelizmente, seu criador. É cuidado que hoje me permite, felizmente, reencontros como este.

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Naquele setembro, ele me contava da sua resistência a convites anteriores para ingresso na APL, um formulado na presidência de Afonso Pereira e, outro, na de Luís Augusto Crispim. A ambos respondera que era “inacadêmico”. Ainda trazia no peito a contestação dos jovens. Provoquei: “A contestação deve morrer quando a juventude morre?”. E ouvi: “Não, até porque o ingresso de quem quer que seja numa academia não tem que significar acomodação. Nada impede que se entre lá para tentar renovações”.

Lembrou que a Academia Brasileira de Letras foi um foco de resistência ao Modernismo dos anos de 1920. “Os modernistas todos juravam ali não entrar
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e as juras eram gradativamente quebradas. Manoel Bandeira esteve ali. Assim, também, Jorge Amado, José Lins e Guimarães Rosa, um renovador da linguagem. Esse pessoal todo esteve lá”.

É preciso contar que o mestre Humberto somava aos proventos de juiz aposentado os vencimentos de professor de Direito da Universidade Federal da Paraíba e que isso lhe permitia, com algum sacrifício, desembolsos pessoais a fim de não deixar sem luz, água, telefone e material de expediente o Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, do qual foi presidente. Diga-se, ainda, que a prática era seguida, de resto, por antecessores e sucessores.

O IHGPB foi fundado na primeira década do século passado e depois transformado em organismo de utilidade pública por projeto de lei do deputado João de Lira Tavares. O texto legal, assim aprovado, determinava o auxílio financeiro do governo estadual indispensável à sobrevivência de uma entidade voltada, notadamente, para a preservação da história e da memória da Paraíba e sua gente. Mas a lei, é claro, teve a eficácia de um risco na água. Os auxílios, quando ocorrem, são esporádicos.

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Perguntei ao meu entrevistado: “O senhor foi vítima do AI-5, em 1969. A Arena perdeu votos e, o juiz, a cabeça. Como foi isso?”. Eis o que ouvi dele:

“Presidi as eleições de Monteiro nas quais se esperava o êxito do candidato da Arena, até porque, em 1966, dois anos antes quando se registrou a vitória do PMDB ao Senado (a disputa era entre Ruy Carneiro
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e Aluysio Campos) o município foi um daqueles onde a Arena tinha ganho, folgadamente. De modo que os arenistas, em 1968, contavam com vitória tranquila. As urnas foram abertas, eles amargaram a derrota e passaram a buscar um culpado. O culpado foi o juiz que promoveu a aplicação rigorosa da lei. Eu e mais dez colegas fomos aposentados no início de 1969 por força do AI-5, coincidentemente, em todas as cidades onde a Arena havia perdido as eleições municipais. Este foi o único caso de punição pelo regime militar com a explicação prévia do motivo das cassações. Uma nota do Ministério da Justiça, divulgada em 21 de fevereiro de 1969, dizia que o ministro havia encaminhado expediente ao presidente da República, com base em ofício do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, do qual fora portador o governador do Estado. O ofício propunha a aposentadoria de onze magistrados cujo comportamento fora considerado incompatível com o exercício da magistratura, em consequência de inquérito, sindicância e correição. Quando as coisas mudaram, o mesmo Tribunal me deu uma certidão atestando que, no meu tempo de juiz, nunca houve contra mim sindicância, correição nem inquérito”.

Surpreendi-me com a resposta à minha última pergunta: “Em quem o senhor votou, na ocasião, para prefeito de Monteiro?”. E o nosso bom e velho Humberto: “Votei na Arena, porque o vice-prefeito da chapa era meu amigo”.

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