Há muito Zuleide desconfiava de que Osvaldo tinha uma amante. Só faltava saber quem era. Um dia o mistério acabou graças a uma denúncia...

A outra

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Há muito Zuleide desconfiava de que Osvaldo tinha uma amante. Só faltava saber quem era. Um dia o mistério acabou graças a uma denúncia anônima: ela se chamava Ernestina e trabalhava com ele na repartição.

Zuleide pensou em tirar satisfação. Explicaria que era a mulher de Osvaldo e lhe daria um ultimato: ou ia embora da vida dele, ou alguma coisa de muito grave poderia lhe acontecer. Chegou a pegar o telefone e ligar. Depois de ouvir
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um “alô” do outro lado, tentou ser direta:

⏤ Aqui é a esposa de Osvaldo!

⏤ Pois não.

A voz tranquila, quase glacial, tirou-lhe a vontade de dizer qualquer coisa. Chegou a sentir remorsos por ter se rebaixado tanto. A outra dissera “pois não” como quem perdoa um incômodo ou se dispõe a fazer um favor.

Zuleide passou a ter Ernestina como uma obsessão. De noite, ao se deitar, só pensava nela. E quando dormia, era o fantasma da outra que vinha perturbar seu sono. Ao acordar (sempre muito cedo...) e ver o marido placidamente ressonando, imaginava que aquela placidez se devia aos bons momentos que ele passara com a amante.

Despeito, raiva, vontade de matar Ernestina –- a vida de Zuleide agora girava em torno disso. Já não tinha disposição para trabalhar nem ânimo para se divertir. Gerente numa loja de brinquedos, vez por outra suspendia o serviço para ir ao banheiro chorar. Na volta, percebia que as colegas faziam comentários sobre seus olhos vermelhos.

Noutros tempos, quando estava de folga, gostava de ir à tarde ao cinema; era fã de desenhos animados americanos. Agora, quando fazia isso, ficava pensando que naquele momento Osvaldo poderia estar trocando olhares com a outra, fazendo planos para se encontrarem mais tarde. Se ele vinha de noite com aquela história de “hora extra”, ela já sabia de que se tratava.

Um dia tomou coragem e foi ao prédio onde a mulher morava. Tocou o interfone e pediu para subir.

⏤ Pode deixar que eu desço ⏤ respondeu a outra. Zuleide não esperou. Contava intimidar a rival, acossá-la, dar-lhe um ultimato. Em vez disso, era Ernestina que se dispunha a falar com ela. Sem nenhum escrúpulo ou hesitação. Quem afinal estava errada? Quem tomava um marido? Quem desrespeitava um contrato? Remoía-se por dentro ao pensar nessas contradições.

Como a obsessão se tornara insuportável, resolveu tomar uma atitude. Não podia continuar pensando na outra daquela forma. Queria viver, respirar, sair daquele circulo de ferro... Círculo de ferro! Essa imagem a fez, quase inadvertidamente, olhar para a aliança no anular esquerdo. O círculo. O ferro. A dor.

Então era isso! Num rompante, tirou a aliança e jogou-a contra a parede. Vendo que errara a pontaria, apanhou o pequeno objeto e o arremessou pela janela. Agora pronto: não havia mais Osvaldo, nem rival, nem traição. Sentiu-se aliviada e triunfante. Quando o marido chegou, minutos depois, comunicou tranquilamente a ele a decisão de ir embora.

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  1. O cronista/contista em sua melhor forma. Parabéns, Chico. Gil.

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  2. Muito boa crônica! Excelente o final. Nada como “destruir a imagem do quê a fazia sofrer”. Forte abraço. Regina Lyra

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