Não, a intenção não é falar sobre a até agora hipotética extinção dessa categoria tão importante, necessária e querida, a dos livrei...

A morte do livreiro

livraria livreiro pedro herz
Não, a intenção não é falar sobre a até agora hipotética extinção dessa categoria tão importante, necessária e querida, a dos livreiros, hoje tão ameaçada, por várias razões. O objetivo é tratar da morte concreta e irrecorrível de um livreiro especial: Pedro Herz, dono da icônica Livraria Cultura, que tanto serviu aos brasileiros nas últimas décadas. Entretanto, creio que os dois temas estão de alguma forma relacionados, de modo que abordarei ambos, sucintamente, como convém à crônica.

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Pedro Herz Fecomercio-SP
Por coincidência, eu estava em São Paulo no dia 20 de março próximo passado, data do falecimento repentino do livreiro, aos 83 anos. Ele não estava doente; sua morte se deu por conta de um enfarto, provavelmente quando ele dormia, pois ocorreu de madrugada. Pude ver, portanto, o quanto repercutiu na sociedade paulistana a sua perda. Jornais, rádios e tvs deram ampla cobertura ao fato, mostrando a extensão do prestígio do morto, cuja principal atividade era, simplificando, vender livros.

Vender livros no Brasil e se tornar célebre não é pouca coisa, convenhamos. Mas Pedro Hertz conseguiu essa façanha, assim como o saudoso José Olympio, da livraria e editora homônimas. Ele transformou a Livraria Cultura, fundada originalmente por sua mãe, Eva Herz, judia alemã vinda para o nosso país, na maior
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Eva Herz Livraria Cultura
e mais importante rede de livrarias nacional. A loja da Avenida Paulista era considerada, segundo muitos, uma das melhores do mundo, no gênero. Por isso e outras coisas mais, Pedro Hertz tornou-se uma liderança empresarial, uma referência profissional e uma figura pública, quase pop. As pessoas o reconheciam sem dificuldade como sendo quem ele de fato era.

Nos últimos tempos, sabe-se, ele enfrentou problemas nos seus negócios, chegando a fechar a maioria das lojas. Ele faliu, para usar a palavra correta, mesmo que dura. A Saraiva, rede de livrarias concorrente, também faliu, o que mostra que uma crise teria atingido o setor livreiro como um todo. As razões da bancarrota não importam. Podemos apenas deduzir que não se deveram à incompetência nem ao descaso de Pedro Herz e que o fracasso provavelmente o abalou bastante, tendo, talvez, contribuído para a sua morte súbita.

Saindo agora do particular e indo para o geral, é fato que livreiros grandes e pequenos estão com imensas dificuldades para sobreviver num ramo que nunca foi fácil. Insisto: vender livros no Brasil, país de pouca educação e pouca leitura, é coisa para heróis. Pedro Hertz foi um deles, o maior dos tempos mais recentes, na verdade.

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Pedro Herz Livraria Cultura
A loja da Cultura no Recife não existe mais, claro. Para mim (e para muitos), é um vazio enorme, motivo pelo qual tenho ido mais raramente à capital pernambucana. Era um deleite percorrê-la por inteiro. E impossível deixar de comprar vários volumes a cada visita. A variedade e a atualidade das ofertas eram de deixar qualquer leitor maravilhado. Não que as pequenas livrarias não possuam também o seu encanto. Pelo contrário. Não raro são estas que compensam pelo aconchego a limitação do espaço físico. A propósito, lembro-me de duas que se inscreveram em minhas mais caras lembranças com tal característica: a Timbre, no Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro, e a de Bartolomeu, aqui na aldeia, na Duque de Caxias, bem próxima à Praça Rio Branco. Ambas já não existem, lamentavelmente. Mas eram muito especiais, principalmente a segunda, pela simpatia – e até bonomia - do proprietário, ele também um leitor, sempre disposto a indicar ou a comentar determinados livros de seu gosto, livros que, via-se, ele escolhia com fino discernimento e que para ele eram menos mercadorias que joias culturais. A nossa Livraria do Luiz está aí, resistindo, sabe Deus como. Regularmente, vou lá, dar-lhe uma injeção de ânimo, comprando alguma coisa.

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Livraria Cultura Recife
Mas as livrarias morrem. Os livreiros também. Com frequência, morrem ao mesmo tempo a livraria e o livreiro. Foi mais ou menos isso, podemos dizer, que aconteceu com Pedro Herz. No seu caso, findou primeiro a livraria; em outros, é o contrário. E contra isso não há nada a fazer, pois é a lei da vida, marcada pela finitude de tudo – ou quase. Borges escreveu ou falou que o paraíso poderia ser uma biblioteca. Sim, pode sim, mas para leitores (e bibliotecários, como ele). E pode até ser menos que uma biblioteca, imagino. Pedro Hertz certamente está vendo agora que o céu pode ser também apenas uma boa e decente livraria. E que Dona Eva, sua mãe, o esteja guiando ao longo de infinitas estantes, à prova de todas as tribulações.

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  1. Obrigado, Paiva. Francisco Gil Messias.

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  2. Obrigado, Léo. Francisco Gil Messias.

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  3. Obrigado, Chico. Gil.

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