A cidade de Goiana, em Pernambuco, no início do século XIX, era, por sua importância, riqueza e cultura, foco permanente de movimentos revolucionários, prenunciando a independência do Brasil ou pelo menos das regiões setentrionais bastante diferenciadas devido à sua colonização e costumes, para a época, oriundos das regiões meridionais do nosso país.
Como exemplo, podemos citar a Confederação do Equador, que agora está completando 200 anos. Foi um movimento revolucionário iniciado em Pernambuco, em 1824, e que se espalhou para outras províncias nordestinas, como Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Essa ação se opôs à forma autoritária com que a Constituição de 1824 fora elaborada e publicada pelo imperador Dom Pedro I.
O advogado José Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima, depois de enviuvar, estudou teologia em Coimbra sendo ordenado sacerdote pelo Cardeal Chiaramonte, que mais tarde se tornou Papa com o nome de Pio VI. José Ignacio ficou conhecido em Goiana e no Brasil como o famoso padre Roma, além de ser um dos líderes da revolução pernambucana de 1817, o último movimento separatista de caráter republicano do período colonial brasileiro. Depois de ser enviado à Bahia para ressuscitá-la, foi preso, submetido a um tribunal militar e posteriormente condenado à morte.
O padre Roma deixou um filho, também chamado José Ignácio de Abreu e Lima, nascido em Recife, Pernambuco, em 6 de abril de 1794. Frequentou a Academia Militar do Rio de Janeiro de 1812 a 1816 e tornou-se capitão de artilharia aos 21 anos. No período em que seu pai foi denunciado, estava preso por insubordinação em Salvador. Na manhã do dia 28 de março de 1817, ao levarem o pai ao local da execução no Campo de Santana, foram procurar o filho e obrigaram-no a presenciar essa ação. Essa barbárie indigna e atroz decidiu o destino do jovem oficial.
O capitão Abreu e Lima, logo que conseguiu sua liberdade, fugiu do Brasil e embarcou clandestinamente para os Estados Unidos da América onde chegou em fevereiro de 1918. Mudou-se depois para a ilha de São Tomás (St. Thomas, Ilhas Virgens Americanas), nas Antilhas, chegando posteriormente à Grande Colômbia, onde estava em curso uma intensa luta pela emancipação da América do Sul.
No dia 20 de novembro daquele mesmo ano, quando o Libertador Simón Bolívar fez sua famosa declaração contra Fernando VII da Espanha, em Angostura, o oficial brasileiro esteve presente e alistou-se em suas tropas. Como ele mesmo diria: [... Não tive pátria e fiz da Colômbia a minha ...].
Abreu e Lima serviu no Exército Libertador desde maio de 1818 e só o deixou após a morte de Bolívar, em 1830. Foi Secretário de Bolívar, oficial do Estado-Maior incorporado aos famosos Llaneros de Páez, tenente-coronel, e depois general. Foram doze anos de árduas escaramuças em arenas civis e em campos de batalha.
No período em que Simón Bolívar esteve no Peru, Abreu e Lima frequentou a casa de sua irmã María Antonia, em Caracas, onde conheceu e se enamorou de uma sobrinha do Libertador, filha de outra irmã, Juana, e de Dionisio Palacio y Sojo. Essa menina se chamava Benigna Cornelia e antes, já era namorada do general Briceño Méndez, amigo preferido de Bolívar, com quem mais tarde se casaria.
Recifense e caraquenha se encantaram com amor à primeira vista. Esse “love affair” foi dificultado pela família da menina, pois Abreu e Lima tinha forte reputação de jogador, brigão e mulherengo. Ao buscar o cargo de Chefe do Estado-Maior General, apoiado pelo General Soublette, Antonio Leocadio Guzmán, que começava a praticar intrigas políticas, abriu uma forte campanha contra Abreu e Lima em seu jornal Argos. Numa virulenta nota editorial “anônima”, aludiu ao caso com a sobrinha do Libertador. Abreu e Lima esperou por ele numa rua deserta, tarde da noite, e deu-lhe uma surra tremenda, incluindo vários golpes de espada que o obrigaram a ser internado num hospital.
Submetido a uma Corte Marcial, o brasileiro foi punido com prisão na fortaleza de Maracaibo, na Venezuela. Isto o enojou profundamente e o levou a deixar o país que ajudou a libertar do domínio espanhol. Durante a sua estadia na Venezuela desenvolveu estreitas amizades com Soublette e Páez, com quem manteve uma profunda correspondência.
O desaparecimento de Bolívar, seu amigo e protetor, a quem considerava o herói homônimo da América Livre, encerrou sua carreira militar na Colômbia, pois no final de 1826 e início de 1827 rompeu com o general Santander, a quem considerava intrigante, astuto e sutil.
Após a morte do Libertador, viajou em 1831 para os Estados Unidos da América, onde embarcou para a Europa. Lá conheceu Dom Pedro I, que reconquistava o trono de Portugal, e desfrutou de sua amizade e intimidade. Dom Pedro I, transformado em Dom Pedro IV, faleceu em 1832. Dois anos depois, Abreu e Lima regressou novamente a seu querido Brasil onde nesse mesmo ano um decreto concedeu os direitos do cidadão brasileiro e permitiu-lhe o uso de títulos e honras conquistados nas guerras colombianas.
Decidiu não retornar ao exército, e na cidade de Niterói dirigiu o jornal O Raio de Júpiter, que atacou impiedosamente o Ministro da Justiça da Regência e posteriormente Regente do Império.
Por problemas de saúde e econômicos, retornaria à sua cidade natal para dirigir, na cidade do Recife, A Barcaça de São Pedro, que é uma das publicações que prepararam o surgimento da revolução “Praieira”, claramente socialista. Foi um dos participantes e, após a derrota desse movimento, expurgou e expiou suas culpas até que, novamente livre, continuou a propagar suas ideias, simultaneamente com suas obras históricas e literárias.
O brasileiro, veterano das lutas pela independência da Venezuela, da Colômbia e de outros países andinos, se tornou escritor e historiador. Entre outras obras, Abreu e Lima é autor do Compêndio da História do Brasil, de uma Sinopse da História Brasileira de uma História Universal em cinco volumes com ilustrações, do livreto Socialismo, das Bíblias Falsificadas, de O Deus dos Judeus e O Deus dos Cristãos, de um Direito Penal, além de cartilhas, discursos e memórias. Devido ao seu falecimento em Pernambuco, em 8 de março de 1869, deixou inédito o Resumo Histórico da Última Ditadura do Libertador Simón Bolívar, cujo manuscrito se encontra no Instituto Arqueológico Geográfico Pernambucano do Recife. Foi publicado em 1922, no Rio de Janeiro, por Diego Carbonell, na época Ministro Plenipotenciário e Enviado Extraordinário da Venezuela no Brasil.
Nos seus escritos deixou um panorama dos seus acontecimentos: [... Participei da infância da Grande Colômbia, em Nova Granada...]. [... Tenho muito orgulho de me proclamar um dos libertadores da Venezuela e da Nova Granada e de usar meu Cruzes de Boyacá, de Puerto Cabello e do meu nobre escudo de Carabobo ...]. [... Assisti aos últimos estertores da Colômbia, testemunhei sua morte, fiz tudo por ela. Quebrei as facções, derrotei Campos em Rio Hacha (capital do Departamento de la Guajira, Colômbia), lutei corpo a corpo com os guajiros (indígenas nômades residentes entre Colômbia e Venezuela), libertei Santa Marta (capital do Departamento de Magdalena, Colômbia) e embora não tenha conseguido livrar Cartagena (capital do Departamento de Bolívar, Colômbia), da traição do General Luque, quando ali o General Montilla sucumbiu, caí com ela ...]. Esta é a fé oficial de José Inácio de Abreu e Lima, General dos exércitos da Grande Colômbia de Simón Bolívar.
Estes foram o destino e a morte de um revolucionário de nascimento, educação e tendências encorajadas pelo ambiente e pelos acontecimentos de sua época.