As pesquisas são catastróficas para o governo, pois nada parece dar certo para um governo que prometeu se reinventar, mas não consegue entregar o novo mundo anunciado. A razão? Ele se recusa a ver os fatos, que estão escancarados à sua frente:
dívida pública astronômica, degradação da escola, violência, delinquência juvenil, perspectivas de derrota, nas eleições próximas; um governante que diminui e se retrai aos olhos da população. Em suma, o novo mundo das delícias prometido está não apenas longe de ser visto, está a cada dia mais distante. A oposição, por sua vez, bate duro no governo, chamando-o e ao seu principal ministro, no mínimo de “insinceros”; no extremo, de “incompetentes e escroques”.
Calma, meu povo, trata-se de notícias colhida no Editorial do jornal francês Le Figaro, publicado no dia 10 de abril último, acompanhada de matéria de duas páginas, sobre o governo de Emmanuel Macron, que, dia a dia, se faz micron. Ser chamado de insincero, incompetente e escroque não abala, nem sequer arranha, a estrutura da República Francesa. Nem forja uma crise polarizada, movimentando a militância (?) a agir para tapar o sol com uma peneira.
Do mesmo modo, ainda que atacado duramente, ninguém no governo chama a oposição de fascista, de nazista ou de golpista, ainda que haja uma ameaça de censura parlamentar ao governo (não confundir com censura à liberdade de expressão...), o que tiraria o restante de sua credibilidade. Tendo conhecido de perto o nazismo e o fascismo, e tendo sido submetido à tirania de Hitler, durante a ocupação alemã, na segunda guerra, os franceses, que podem ser prepotentes, mas não são ignorantes, não desconhecem o significado dos termos e jamais os utilizam em vão, de modo a não os banalizar.
Por outro lado, a atuação da esposa do presidente francês é nula, se ela não foi eleita, não tem lugar a ocupar nas decisões políticas da República; não há batalhões de jornalistas e blogueiros, pagos com o dinheiro público, para defender o governo, por mais errado que ele esteja, o que constituiria um crime; também nenhum dos membros do Conselho Constitucional, a mais alta Corte do país, se abala para censurar ou perseguir ou prender ou abrir processo contra alguém que ataque o governo. Há toda uma responsabilidade, um respeito republicano à Constituição, à liberdade de expressão, além de uma liturgia do cargo, que impede o presidente de estar respondendo a cada coisa que a oposição diz contra ele.
(Façamos um parêntesis: nos anos 70, no momento de uma grande crise petrolífera, quando os árabes eram senhores supremos da OPEP e trancaram as torneiras da produção, o presidente francês de então, cujo nome omitirei, fez uma série de concessões, para obter petróleo, o que levou o jornal satírico Le Canard enchainé a publicar, pasmem, uma montagem da sua esposa, nua, sentada ao colo de um xeique árabe. Nada aconteceu contra o jornal. Não houve nenhuma celeuma. Ele tinha o direito de processar o jornal? Tinha, mas resolveu que seria tentar apagar fogo com gasolina, dando munição às denúncias que existiam de sua, dele, infidelidade pessoal, que ganhavam proporções de infidelidade institucional)
Há duas razões simples para isto: o governo precisa trabalhar, não tem tempo para estar se incensando mais do que se defendendo. Isto seria visto pelo francês, um discreto em regra, como uma falta de decoro; no exercício das funções públicas, jamais se confunde o público com o privado. O Estado é de todos, trata-se, afinal, de uma Res Publica, mas a definição de público está cercada de limitações, de responsabilidades atribuídas, de direitos e, sobretudo, de deveres. A essência do público é incutir em todos a consciência de que todos, sem exceção, estão submetidos às responsabilidades e limites dos cargos e das funções que ocupam;
todos devem trabalhar para a construção de um Estado de bem-estar, sob o império da Lei. Ninguém está fora de seu alcance.O zelo com a coisa pública é que leva a oposição a falar e apontar as falhas do governo, precisando, às vezes, torpedear o governo (a matéria do Le Figaro, tratando de déficit, segurança e eleições, tem como uma de suas chamadas o título “Insincérités, scrocs: les oppositions torpillent”), para ver se ele toma juízo e assume as rédeas da responsabilidade. Torpedeiam um governo que se retrai como pele de chagrém (La peau de chagrin), sem que os desejos sejam realizados, conforme se encontra no romance homônimo de Balzac, citado na matéria.
A oposição, diferentemente dos que desejam silenciá-la, é necessária, mais do que necessária, tendo em vista que governantes gostam de fazer vista grossa às necessidades da população, gastando o que não têm. Veja-se o exemplo do que dizem os ministros franceses, sobre um orçamento que está, há muito e crescendo, no vermelho cardinalício: “Não é que haja um problema com as despesas, o problema é com a receita”... A solução para um governo pródigo é o aumento de imposto. É estranho, como a cor purpúrea das contas públicas não contaminem as faces dos que as fizeram deficitárias.