Muitos adjetivos se lhe aplicam. Mas elegante é o primeiro que me vem à mente. Quem o conheceu, sabe. Agora mesmo, enquanto escrevo, estou a vê-lo com os olhos adolescentes do ginasiano do Colégio Estadual do Roger de fins dos anos 1960. Na antiga construção que antes abrigara o Seminário Arquidiocesano, destacava-se a sua figura calma, de voz baixa e impecavelmente vestida. Nele, via-se claramente o esmero pessoal, sem que significasse dandismo ou fútil vaidade; era apenas o seu jeito de ser e de estar no mundo, personalíssimo.
Naquele tempo, foi professor de Ciências, uma disciplina mais próxima da biologia que das exatas, se a memória não me falha. E chegou a exercer funções diretivas, ao lado do professor José Soares. Já ali despontava, vejo hoje, o gestor educacional que revelou-se plenamente depois em diversos cargos na administração estadual.
Eram difíceis aqueles tempos no Colégio Estadual do Roger. Vivia-se os primeiros anos da ditadura militar. Os protestos estudantis, antes do AI-5, eram constantes e ousados. As passeatas se sucediam amiúde. Líderes como Washington Rocha, Help e outros mais, cujos nomes me fogem, arrastavam os alunos com a força do idealismo juvenil e da oratória vibrante. Boa parte dos discentes os seguia, mesmo aqueles menos engajados ou conscientes politicamente, como eu. Era bonito e era sedutor para aqueles jovens apoiarem, mesmo que passivamente, a luta pela democracia. Não se tratava, também vejo à distância, de esquerdismo propriamente dito, pois muito poucos tinham sequer uma pálida noção do que era isso (e de suas implicações), mas de distinguir entre democracia e autoritarismo, concluindo, quase que instintivamente, que a primeira era bem melhor que o segundo.
Mas justiça seja feita: o professor João Maurício, como docente e como diretor, sempre manteve uma postura equilibrada e conciliadora, não repressiva e não ostensivamente a favor do regime. Não que se omitisse quanto aos seus deveres funcionais de mantenedor de uma ordem mínima que permitisse o funcionamento do colégio, mas os exercia sempre com civilidade e lhaneza. Isto, lembremos, numa época e numa atmosfera em que não faltavam os bajuladores, os oportunistas, os carreiristas, os dedos-duros e os aproveitadores de toda espécie, essa flora típica e abjeta que costuma se multiplicar nos pântanos do despotismo. Sua conduta, diria, era, antes de tudo, talvez de compreensão. Compreensão dos naturais arroubos juvenis e da transitoriedade de tudo: dos regimes, dos governos, de certas convicções, da mocidade, enfim. E que, portanto, a moderação era o caminho mais sensato a seguir.
As circunstâncias da política local terminaram por não lhe proporcionar oportunidades de voos mais altos na administração estadual, em que certamente seus múltiplos talentos seriam postos a serviço da educação paraibana. Entretanto, ele manteve, mesmo na planície, sua altivez e sua respeitabilidade. Pois os cargos se engrandeciam mais com ele do que ele com os cargos.
Ao longo dos anos que se seguiram, o ginasiano do Roger sempre manteve relações cordiais com o antigo mestre, devotando-lhe o respeito devido. Fazia tempo que não nos encontrávamos em algum evento ou lugar público, o que, naturalmente, não diminuiu o tamanho de sua presença em minha história.
Sua recente partida priva a educação da Paraíba de um de seus melhores nomes, razão por que só temos a lamentar. A propósito, é de se constatar, infelizmente, o claro e constante processo de esvaziamento, na aldeia, dessas figuras destacadas nas mais diversas áreas. O que se tem atualmente, se não me engano, é um nivelamento no anonimato geral, causado principalmente, quem sabe, pela mediocridade reinante. E isso não é apenas um fenômeno aldeão, mas, dir-se-ia, nacional. E por conta da mediocrização das pessoas, as instituições também se mediocrizam, como é fatal que aconteça.
Todo bom professor é um semeador de futuro - talvez, o maior de todos. João Maurício de Lima Neves logrou sê-lo, na mais plena expressão da palavra. Merece, pois, nossas homenagens.