Os gramáticos costumam usar os termos pátrio e gentílico como sinônimos. Celso Cunha e Lindley Cintra, em sua Nova gramática do português contemporâneo, estabelecem uma distinção que alguns dicionários registram: os adjetivos que se referem a continentes, países, estados, cidades, municípios ou regiões são os pátrios. Os que se referem a raças e povos são os gentílicos. Os pátrios opõem-se aos ádvenas, isto é, aos não-nativos. Infelizmente, aqueles autores não dão exemplos de gentílicos, mas apenas de pátrios.
Podemos dizer, portanto, que o gentílico atua como hiperônimo de adjetivos pátrios, como mesopotâmico, por exemplo, que compreende diversas nacionalidades: assírios, caldeus, sumérios e babilônicos. Semita é um gentílico que engloba vários nomes pátrios, como hebreus, assírios, aramaicos, fenícios, palestinos e árabes. Ameríndio, ameríncola e amerígena são hiperônimos de brasilíndio, que é hiperônimo de tupi, xavante, goitacá ou tememinó. Ameríndio é um gentílico, um hiperônimo, cujo significado abrange tanto os maias, os incas e os astecas quanto os sioux ou os navajos americanos e os tupinambás brasileiros.
Judeu, originalmente designativo do adepto do judaísmo (religião de Jesus Cristo), por força da tradição endogâmica, acabou por constituir um gentílico, o que nos permite falar em judeu brasileiro, judeu americano ou judeu húngaro. Assim, judeu israelita não constitui redundância, já que o primeiro elemento é gentílico, e o segundo é pátrio.
Malê é um gentílico que designa o escravo muçulmano procedente do Noroeste da África ou o seu descendente brasileiro. Malê, sinônimo de maliano ou malinês, é também o pátrio que designa o nativo de Mali, república da África Ocidental, antigo Sudão.
Eis, por curiosidade, alguns pátrios reduzidos: luso, afro, anglo, sino (chinês), euro, franco, ítalo, nipo (japonês), teuto (alemão), austro, indo (indiano) e hispano (espanhol). Eis alguns pátrios interessantes: avaricense (Bourges), bagdali (Bagdá),
A propósito de gentílicos, o Aurélio registra o verbete afro como adjetivo, sem indicação de gênero, o que pressupõe tratar-se de adjetivo variável, ou como substantivo apenas masculino. O Houaiss registra afro como adjetivo e substantivo apenas masculino, e exemplifica: moda afro, cabelo afro, comidas afro (apesar de registrar o plural afros, para designar antigo povo da África). Essa é a orientação espúria do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) que também registra afro como adjetivo e substantivo apenas masculino (portanto invariável). O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (equivalente à nossa Academia Brasileira de Letras), registra afro tanto como adjetivo quanto como substantivo variável (afro, afra). O Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, s.v.), registra o verbete afro também como adjetivo e substantivo, flexionado, com os seguintes exemplos: carnaval afro, ritos afros, músicas afras. O consulente fica sem saber a quem dar razão... Afinal, acredito que os responsáveis pelo Volp e pelos verbetes de nossos dicionários de língua não são isentos de erros... Ou não frequentaram cursos adequados de lexicografia.