Lugar de mulher é na cozinha. Calma, meninas. Refiro-me ao ambiente doméstico por mim preferido onde vocês também possam sentar, servir-se de uma bebida e acompanhar o marido na produção do almoço, do jantar, ou de uma sobremesa. Eu, pelo menos, costumo fazer isso aos fins de semana, momento em que me vejo livre do birô e do trabalho corriqueiro.
As conversas travadas, assim, na beira do fogão, costumam me levar, e à minha companheira, aos primeiros anos do casamento hoje próximo das Bodas de Ouro. É quando, geralmente, lembramos dos filhos pequenos, do que gostavam e do que não queriam nos seus pratos. Atualmente, tão logo as panelas borbulham, já nos chegam os dois mais velhos, as duas noras e o neto, também ele, não faltoso a essas reuniões que se dão aos domingos, na maior parte das vezes. Mas, agora, quem recusar o cardápio que trate de preparar, por conta própria, o que pretenda comer.
Gosto quando eles relembram passagens da infância. E retribuo com histórias, algumas vezes recontadas, acerca de produtos e temperos. “De novo?”, reclama o caçula. Miguelzinho, não. Este meu neto até exige as repetições. “Conta aquela da Maizena, vovô”, pediu-me, na última visita, ao ouvir que a avó tem recomendação médica para evitar a farinha de trigo. Sabem não? Pois bem, lá vai.
Maizena vem de maiz, milho na linguagem dos índios Sioux e termo adotado, igualmente, tanto pelos colonizadores espanhóis quanto por Wright Duryea, o sujeito que, em 1854, iniciou nos Estados Unidos o fabrico do produto cuja embalagem o tempo quase não mudou. Foi assim que li.
A mesma leitura me convence de que o desenho de tendas e índios na caixa sempre amarela (da cor do milho) decorre das primeiras zonas de cultivo das espigas apresentadas aos invasores que então ampliavam os caminhos de Cristóvão Colombo.
Antes que alguém comece a lamber os beiços, saiba que, a princípio, a função do pó branco e fino era servir de goma para tecidos. Tempo depois, é que iria à cozinha para a feitura de mingaus, bolos e biscoitos.
Este mesmo produto chegava em sacos ao Brasil, em 1874, para a venda a granel nas bodegas de então. Em 1930, a Refinações de Milho Brasil (RMB), instalada em São Paulo após acordo com o engenheiro norte-americano L. E. Miner, iniciava o fabrico franqueado do amido de milho, tal como até hoje o conhecemos.
Muitos meninos da minha geração, clientela cativa dos faroestes, passavam um tempão a contemplar a cena pacífica retratada nessa caixa amarela: o cultivo do milho e preparo do pó por mulheres Sioux sob a proteção de um guerreiro da tribo. E, assim, antevíamos o momento do tiroteio no cinema. Surpreende-me o fato de que os das gerações mais novas, acostumados à Internet e aos jogos eletrônicos, não percebam esse desenho.
Visto que, neste ponto da nossa conversa, estamos na área das farinhas e, portanto, na dos pães, bolos e tortas, não custa lembrar que o Pó Royal tem uma existência de 101 anos no Brasil. Aqui chegou em 1923 e aqui passou a ser produzido a partir de 1930.
Mas sua história começou nos Estados Unidos, bem antes disso. Ali, em 1866, os irmãos Cornelius e Joseph Hoagland formaram a sociedade que produziria esse fermento. O negócio seria expandido sete anos depois com o ingresso de dois novos investidores, William Ziegler e John Seal. Estava criada, então, a Royal Baking Powder Company.
Leio que a marca é hoje administrada pela Kraft Foods, a maior empresa de alimentos da terra do Tio Sam e a segunda maior do mundo. Só perde o primeiro posto para a suíça Nestlé. E, finalmente, aqui vai minha receita para um bom de fim de semana: catem algumas panelas, vejam o que há na despensa, juntem mulher, ou marido, filhos e netos (caso os tenham), misturem e levem isso tudo à cozinha pelo tempo mais demorado possível. Muitas vezes, é essa a melhor coisa que temos durante a semana. Provem e digam se isso não é bom.