Acho que dei a primeira tragada aos 15 anos. A fumaça entrou engasgando, e de noite veio o castigo maior: uma crise de asma. Depois disso ainda tive umas poucas experiências com o cigarro, pois era duro ver meus amigos fumando e eu ficar de fora. Mas sucederam-se novos acessos de tosse, com falta de ar, e terminei desistindo.
Na época fiquei abatido, pois o fumo era uma senha que identificava os membros da turma. Sem ele eu me sentia uma espécie de pária. Hoje sinto que não perdi muita coisa. Meus pulmões frágeis acabaram, pelo visto, me livrando de um grande mal.
Escrevo este texto motivado por um artigo que Adriano Silva publicou há algum tempo num famoso semanário nacional. Adriano profetiza o fim do cigarro e lamenta que isso vá ocorrer “muito mais pelo que ele traz de bom ao espírito do que pelo que faz de mal ao corpo”.
Entre as benfeitorias espirituais do cigarro, segundo o jornalista, estão a liberdade individual e o hedonismo. Fumar seria um ato de transgressão, um gesto de prazer solitário num mundo “asséptico e moralista” cujas engrenagens não admitem desobediência. O fumo seria o triunfo da irracionalidade sobre a lógica piegas do politicamente correto.
O texto dele é bom, e se na vida bastasse a retórica quem o lesse correria ao primeiro quiosque da esquina para comprar cigarros. E sorver em largos haustos a liberdade hoje tão ameaçada pelos agentes do capitalismo e pelas hordas puritanas que insistem em nos fazer bons, saudáveis e chatos.
Tudo muito bonito, mas a contestação de Adriano Silva me parece equivocada. O fumo se tornou proibido pelo que faz, realmente, de mal ao corpo. São inúmeras as evidências disso. Não é preciso olhar as fotos de fumantes veiculadas em carteiras de cigarro para saber que ele mata, e de forma dolorosa.
Nunca me esqueci de uma cena que presenciei há alguns anos no Rio. Eu fazia pós-graduação e geralmente saía ao meio-dia para a faculdade. Numa dessas vezes me deparei com um sujeito mirrado, que se protegia sob a marquise de um prédio. Era um dia quentíssimo de verão, os termômetros marcavam quase 40 graus. E lá estava o homem, de boca aberta, procurando aspirar com agonia o ar ralo e quente.
Como eu o olhasse curioso, o porteiro do prédio veio conversar comigo. Conhecia o tal sujeito; ele tinha menos de 50 anos e estava assim por causa do enfisema provocado pelo cigarro. Fumara, durante décadas, três maços por dia. “Cinquenta anos”, pensei comigo. Com essa idade muitos correm maratonas.
Olhei de novo o homem antes de ir embora. Tinha a boca aberta, o rosto congestionado pela dispneia, e mal se segurava de pé. Naquela fraqueza não havia nada da “lassidão poética” de que o jornalista fala em seu artigo. Era debilidade mesmo, e nos olhos uma sombra de terror. Parecia temer que, no próximo segundo, o ar fosse lhe faltar de uma vez.