Dois amigos conversam após a aula de filosofia.
– Viu que coisa?
– Vi. Achei a aula coisificante!
– Ele não explicou o que disse que ia explicar.
– Pois é. O conceito kantiano da...
– Isso! Da “coisa em si”!
– “O que está além da representação, inacessível ao intelecto e aos sentidos”. Esse era o espírito da coisa, mas terminei sem entender bulhufas.
– Ele poderia ter explorado mais a noção de “coisidade” da coisa. Ou mesmo de alienação, apelando dialeticamente para Marx.
– Marx?! Não misture as coisas.
– Sei que o tema é complexo, mas com algum esforço ele talvez conseguisse.
– Talvez. A coisa só não foi pior porque ele acabou reconhecendo a falha. Essa foi para mim a melhor coisa da noite: o seu reconhecimento de que não é lá grande coisa.
– Também não humilhe o homem... Isso é coisa de ressentido.
– Ressentido coisa nenhuma.
– Não podemos julgar o professor apenas por esse erro. Cada coisa tem sua medida, não é certo extrapolar.
– Tá bom. Mas saiba uma coisa: se aquilo se repetir, eu pego uma coisa da sala e jogo nele.
– Que coisa?
– Uma bem pesada, claro.
– Tolice. Isso não é coisa que se faça. Ele tem o seu valor.
– Tinha! Veja como são as coisas: não faz muito tempo ele era o tuxaua, “uma coisa" em termos de filosofia. E agora?
– Mas ele vai se reabilitar. Se há uma coisa certa neste mundo, é que um dia se segue ao outro.
– Se reabilitar como? Fazendo o quê?
– Sei lá. Qualquer coisa que nos leve de novo a confiar nele.
– E qual seria?
– Aí é que está a coisa: cabe a ele descobrir.
– Desconfio de que não conseguirá.
– Por quê? Você está com má vontade... Pegue suas coisas e vamos embora.
– Já vou. Mas tem uma coisa: se ele não se reabilitar, vou passar isso na sua cara. Você está defendendo demais aquele coisa-ruim. Parece até que há... alguma coisa entre vocês dois.
– Vamos embora, antes que eu me irrite! Você já não está falando coisa com coisa!