Há escritor que esconde suas preferências, mas assinala referências, exibe seu gosto pela arte e até expõe suas manias, ao contrário do poeta que ao apontar os caminhos da alma, usa metáforas para falar de seus amores e paixões.
O cronista Martinho Moreira Franco se revelava apaixonado pelo cinema, curtia abundantemente Roberto Carlos e exibia-se fervoroso torcedor do Flamengo. Em mais de cinco décadas de labuta na imprensa, nunca escorreu na elaboração de um texto. Textos publicitários, reportagens ou crônica. Aliás, crônicas primorosas. Muitas carregam melodia e trazem-nos o prazer da leitura.
Para celebrar a passagem dos seus oitenta anos, em breve, a família promete a publicação de coletânea de suas crônicas produzidas em cinco décadas de atuação na Imprensa.
Falo isso não porque tenha sido seu meu amigo. Acompanhei seus escritos desde quando pisava no solo sagrado da redação de O Norte, por volta de 1976, alçando voo na minha profissão de jornalista. Sendo Martinho um luminar naquele espaço. Seus escritos alumiavam as veredas para o jovem que desejava aprender como elaborar texto conciso. Ele integrava o seleto grupo de redatores e repórteres referência na Paraíba.
Em crônica exaltando o poeta pernambucano Marcus Accioly, falecido em outubro de 2017, aos 64 anos, Martinho entregou o jogo, ou seja, mostrou sua preferência pela poesia, uma paixão cultivada desde a adolescência.
Afirmou apreciar Augusto dos Anjos, um dos seus poetas prediletos, mas caminha pela poesia de Alphonsus de Guimaraens, Castro Alves, Fagundes Varela, Cláudio Manuel da Costa, Olavo Bilac e esbarra em Vinícius de Morais, o poeta da paixão. Afora outras preferências por poetas igualmente geniais.
Alphonsus de Guimaraens / Castro Alves / Olavo Bilac / Fagundes Varela CC0
Ele escreveu que abomina poema sem sonoridade, sem cadência, sem musicalidade. “Poema para mim tem que possuir esses três elementos, além de transmitir emoção, muita emoção”. Seus textos tinham esse ritmo.
A crônica publicada no Jornal A União (13-12-2018) e outras de sua lavra, carregam poesia e em muitos casos proporcionam emoção numa elevada medida. Sua paixão pela poesia não se restringe ao soneto:
“Não precisa ser soneto. Desde que haja sonoridade, cadência, musicalidade e emoção, um poema sempre cai bem no peito deste desafinado que vos fala”.
Sua paixão era a crônica, mesmo sem revelar essa paixão.
Bem diferente do poeta que se esconde nas palavras, como “um fingidor que finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente” no dizer de Fernando Pessoa, o cronista revela-se abertamente, abre sua alma para falar de sua vida, aborda particularidades que somente ele, cronista, é capaz de sentir e expressar. Escrevendo, explica-nos fatos do cotidiano quando não é entendível.
No caso do meu amigo, que escrevia de forma caprichada, o tema abordado sempre é descrito detalhadamente, em texto arrochado, rejuntado. Por tudo isso é que Gonzaga Rodrigues, outro cronista revelador da alma sem o fingimento dos poetas, disse que Martinho foi, no seu tempo, o grande cronista da Paraíba. Justifica Gonzaga que Martinho registrava ou comentando fatos, em eleva o padrão, ajudando a entender a história do cotidiano da cidade que se transformou, do bonde ao trânsito tumultuado de agora.
Aguardamos ansiosos o livro que Martinho Filho anunciou para em breve.