Hildeberto Barbosa Filho ressalta numa Letra Lúdica dos meus guardados a falta que vem fazendo a crônica assinada por Martinho Moreira Franco, em sua maioria fadada a se manter viva em livro. Quantas delas nos revisitam por si mesmas, associadas a alguma emoção do instante presente. Foram muitos os momentos bem-sucedidos de sua especial subjetividade.
“Como tantos outros, não coligiu seu texto publicado nos jornais num volume que permitisse relê-los, ao sabor do critério da vontade e da estesia que a arrumação de suas palavras na frase despertava no leitor.”
— lamenta, às custas de seu exemplo, estendendo aos outros o amor que nutre pelo labor literário.
Martinho ironizava-se se dizendo cronista de variedades, carona que pegou na qualificação de intenção elogiosa como uma confrade amiga o tratara num registro qualquer.
E que variedades! Lembrei-me, já agora, por ser final do abril de Augusto e pela insistência como o telefone forçou-me a sair da rede só para ouvir um “desculpe, foi engano” - lembrei-me de crônica fora do estilo de Moreira a tirar partido da “ultrajante invenção do telefone”, nevrose que ele não deixou exclusiva do poeta do EU. Pena que essa crônica tenha se ido com ele.
Também Crispim se queixava da intervenção do telefone nos momentos mais inoportunos, cortando frases ou ideias em formação, como se escrever para ele fosse um prazer de portas bem fechadas. Andava de caderneta e lápis para o surto das ideias.
Quanto a Martinho, devo lembrar que foi sempre comedido em sua própria avaliação. Até mesmo em vazar seus autores e leituras, salvo as de cinema ou autores que migraram do jornal antes do livro e que fizeram o que ele não fez, buscar homizio mais seguro. Mas ninguém se deixasse levar por essa parcimônia. Percorrera o melhor da literatura brasileira e muita coisa estrangeira quase sempre atraído pela versão cinematográfica como Hemingway, só para citar o de sua maior nota, O velho e o mar.
Quando existiam aqui três jornais impressos, gastava a manhã inteira a saber dos outros, sobretudo da cidade, mais para conferir suas andanças, seus reparos, que para saber novidades. Lia por nós todos, e como sabia que muitos não liam ou liam por cima, era ele que fazia o telefone nos acordar para a notícia que suscitasse solidariedade ou nos deixasse numa boa. Lia por nós todos e para todos nós. Nas suas mãos o telefone deixava para trás a má fama de invenção ultrajante.
Nesse amor firme e justo pelas letras dos outros, Hildeberto não esquece seu antigo colega de colégio, Arlindo Almeida,
“de quem li, no dia a dia dos jornais impressos páginas de indiscutível valor a transbordar da fugacidade do tempo e da circunstância, detentora daquele olhar especial que só o autêntico jornalista possui.”
— conclui depois de ressaltar o pendor de Arlindo para as temáticas literária e filosófica, revelado desde o aluno do Colégio da Prata, em Campina Grande. Não cuidou de si, como reclama seu fiel colega de classe escolar, mas deve-se à dedicação de Arlindo, morto precocemente, a coleta possível das crônicas de outro que se consagra como belo exemplar humano, Nathanael Alves, mas que subestimou o belo acervo de páginas escritas em tom de apólogo dirigido a um mundo muito mais carente de amor que a do autor do seu livro de cabeceira, o jesuíta Teilhard de Chardin.