Quando os Lutos já não cabiam na dimensão do dia a dia, resolvi transpô-los para o papel. Já não havia tanto espaço no meu esquife in...

A necessidade de ser enlutado

solidao sozinho infelicidade luto
Quando os Lutos já não cabiam na dimensão do dia a dia, resolvi transpô-los para o papel. Já não havia tanto espaço no meu esquife interior. Tive que sair do luto à luta. Foi aí que nasceu o “Lutos diários”, meu 3º livro de poemas, uma tentativa de renascer a partir de cicatrizes. Para cada experiência de luto que tive só aumentou a consciência de redobrar a força.
solidao sozinho infelicidade luto
O sofrimento não apenas destrói, também erige. Só não devemos legá-lo ao tempo.

O professor Chico Viana, prefaciador do livro, captou bem a minha inquietude quando escreveu que esta nasce de entender o mundo, mas sobretudo suportá-lo. Sim, uma agonia para com o mundo, porém não com o próprio “Eu”.

Mas, afinal, em que consiste a dor do enlutado? “Ter sido arrancado de uma porção de coisas sem sair do lugar: eis uma descrição precisa e pungente do estado psíquico do enlutado. A perda de um ser amado não é apenas perda do objeto, é também a perda do lugar que o sobrevivente ocupava junto ao morto. Lugar de amado, de amigo, de filho, de irmão”, diz a psicanalista Maria Rita Kehl em apresentação do livro “Luto e Melancolia”, de Freud. (Cosac Naify, 2011)

Um luto nunca cessa por completo. O que acontece é uma compreensão diante do túmulo, mas jamais uma aceitação. Aí está o corpo se deteriorando, o que podemos fazer além de exprimir nosso sofrimento? Somos impotentes diante da impossibilidade de retroceder.

Mia Couto reconhece: “morto amado nunca mais para de morrer”. O luto não nasce apenas da morte do corpo, mas também de um vazio, quando um sentimento que nos preenchia é tomado por uma decepção, desilusão e medo exacerbado. Ir à luta é a tentativa de completar esse vácuo tão assíduo.

É grande o desafio de ressuscitar todos os dias. Chegar ao amor, vencer o egoísmo, apaziguar a indiferença. O luto, quando bem assimilado, nos faz reconhecer o quanto somos vulneráveis, o tanto que ainda temos a percorrer. Depois de passarmos por esse estágio, poderemos voltar com uma face mais autêntica. Não é por acaso a semelhança entre as palavras “luto” e “luta”. Um homem não caminha sem seus lutos e lutas diárias. Por mais que se esforce para combatê-los, sempre virão à tona e o impulsionarão a uma força criadora se ele tiver sabedoria para utilizar esses pesares a seu favor.

A infelicidade é mais fácil de ser alcançada, mas quem disse que ela não pode ser fértil? É no seu avesso que buscaremos a fonte tão cara a nós. Inverter a ordem depende da pulsão vital que possuímos, e muitas vezes não sabemos ter.

Outro luto e outra luta se aproximam. Haverá combate? Todo luto é morte? Isso dependerá do quanto de poesia teremos, da força, do tamanho do caixão para carregar o quotidiano, quase amorfo. Cremos: um luto se findou, mas esse não é o fim.
Clique neste link para baixar o livro, gratuitamente, em formato PDF.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Anônimo8/4/24 07:35

    Bravíssimo, Leo. Vivemos perdendo, vivemos em luto. Esta é uma das leis da vida e só nos resta enfrentá-la com luta, como tão bem - e poeticamente - você escreveu. Que o luto nos faça crescer, amadurecer e melhorar. Ele nos mostra, em dolorosa pedagogia, a transitoriedade e a finitude de tudo - e de nós mesmos. Ele nos torna humildes - e às vezes poeta. O luto não é bom, claro, mas pode ser útil se não lhe sucumbimos. Parabéns. Francisco Gil Messias.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Viver é recolher os lutos diários. Obrigado pela leitura e pelo comentário, Gil. Superabraço!

      Excluir
  2. Parabéns, Léo.Um texto belo e profundo. Abração carinhoso, Nevita

    ResponderExcluir

leia também