Naquela noite de sábado, recusei o convite do meu neto para um passeio de quadriciclo desde o Busto do Almirante Tamandaré até o Mirante da Praia do Cabo Branco, um dos mais belos trechos da orla de João Pessoa, a cidade que mais cresce no Nordeste brasileiro, ao que nos assegura a propaganda oficial.
Do alto de seus onze anos, Miguelzinho mal percebia que o avô não iria dar conta dos oito quilômetros de pedaladas naquele troço pesado, se somados os quatro de ida com os quatro de volta. “Vai com teu pai”, propus, antes da resposta do meu filho mais velho: “Vai com tua mãe”. Pagaram à locadora, antecipadamente, por meia hora de uso daquilo e lá se foi a pobre Lucinha, tão animada quanto o filho, no lombo de uma ciclovia novinha em folha.
O desânimo desses dois era evidente, quando do retorno em 15 minutos, ou seja, na metade do tempo que seria gasto se o percurso fosse completado. Miguel tinha lágrimas. “Ele caiu”, alarmou-se, junto a mim, a avó que, desde o início, não concordava com aquela invenção. Procurei tranquilizá-la: “Nunca ouvi falar em que alguém consiga cair de quadriciclos. Acho que eles arengaram”.
O tempo de espera por nora e neto me fez acompanhar de um banco aquele vai e vem interminável de adultos e crianças no ponto mais movimentado da Capital da Paraíba quando nos chegam as noites das sextas-feiras, sábados e domingos. Ali, a ciclovia, como não poderia deixar de ser, é uma exclusividade dos que pedalam, fazem uso de patinetes, ou de scooters elétricas.
Pude observar que a movimentação decorria, quase toda, do desembarque dos grupos alegres e ruidosos de gente jovem e das famílias procedentes dos bairros mais afastados para o bom proveito da brisa marinha, o passeio e brinquedos dispostos no calçadão largo e comprido, ou para as mesas dos bares, quiosques e restaurantes existentes em grande quantidade desde o MAG Shopping, no fim da Praia de Manaíra, até o Mirante do Cabo Branco, ponto final de um trajeto de oito quilômetros. O epicentro dessa festa, o Largo de Tambaú, área onde o Almirante tem seu busto, fica na metade do caminho e é a cereja do bolo.
Acho que os residentes fogem, ali, do burburinho noturno dos fins de semana. Deixam o calçadão e seus atrativos para os que vêm de fora. Nas manhãs e tardes, porém, aquilo tudo é recanto deles. Mal o sol se levanta, já ocupam a calçada e toda a rua (então livre dos carros) para as caminhadas, as pedaladas e as corridas diárias a poucos passos do mar, neste caso, quando o corpo e o espírito ainda suportem o ritmo das maratonas.
Diga-se que todo o lugar também é uma festa aos olhos dos turistas que a cidade recebe em fluxos crescentes. Estes últimos logo notam a diferença, para melhor, entre nossa orla e as das demais capitais litorâneas. E, também, logo se informam de que estão a visitar um ponto da cidade onde os grandes edifícios estão legal e absolutamente proibidos.
Assim obrigados por preceito constitucional, os espigões aqui se tornam mais altos à medida que se afastam das praias. Então, é possível perceber das areias de Tambaú e Manaíra várias das mais elevadas edificações brasileiras instaladas no Planalto do Cabo Branco, o bairro mais caro e luxuoso de João Pessoa. À beira-mar, não. Neste ponto, a lei impõe construções sobre pilotis com, no máximo, três andares. E, com isso, confere a um dos trechos urbanos mais modernos do País ares de interior que surpreendem e encantam os visitantes.
É norma que vale para os hotéis. Naquele sábado, levamos um Miguel choroso à lojinha de açaí que funciona ao lado de um deles. Nada como uma boa lanchonete para aplacar tristezas. Foi quando nós, os avós, nos inteiramos do problema: nosso neto havia perdido o iPhone. O aparelho, no sobe e desce dos pedais, caíra do bolso raso da sua bermuda sem que isso fosse percebido por ele nem pela mãe igualmente amuada. Calado e sisudo, o pai pensava, certamente, no tamanho do prejuízo.
Propus, então, que ligassem para o número de Miguel. Minha nora respondeu que já havia feito isso cinco vezes, sem ser atendida. Pedi para que voltasse a fazê-lo. Quase acabados os potes de açaí e todas as esperanças, uma voz de homem fez-se clara do outro lado da linha: “Alô?”.
Pronto. Meu neto voltou a sorrir e assim também a mãe, enquanto o pai desanuviava o semblante. Encontramos Carlos, 15 minutos depois, ao lado do Almirante, onde postou-se com a mulher, a sogra e duas crianças a fim de facilitar a entrega daquilo que, advindos de um bairro periférico, encontraram no leito avermelhado da ciclovia, a meio caminho do Mirante.
Não fez questão pela gorjeta nem teve a menor ideia do quanto nos impressionou com sua decência num instante em que perdemos, dia após dia, aquilo que não pode nem deve ser perdido: a fé na humanidade. É a Carlos, portanto, que dedico estas linhas breves e insuficientes para dele aferir, em sua exata dimensão, a dignidade e a honradez. A ele e a seus iguais.