Não sou lá muito eletrônico nos meus costumes, mas uma coisa que, na comunicação virtual, acho interessante é o funcionamento do Whatsapp. Não me refiro ao recurso oral, mas ao digital.
Para me explicar, preciso de uma pequena lição de Linguística. A fala humana acontece necessariamente dentro de dois eixos: o paradigmático, que é o eixo da escolha da palavra a ser usada pelo falante; e o sintagmático, que é o eixo da combinação entre as palavras usadas.
E o que ocorre no Whatsapp quando a gente produz uma mensagem escrita?
Paradigmaticamente falando, os atropelos podem ser muitos, simplesmente porque o repertório vocabular do Whatsapp é infinitamente inferior ao de qualquer falante da língua. E aí, se você não tiver cuidado e não prestar atenção ao que aparece quando digita, os termos podem ser trocados. Digo, o termo que você digitou, pode ser substituído por um outro que, sendo graficamente parecido com o que você escolheu, tem maior recorrência no Whatsapp.
Exemplos soltos: “ósculo” pode virar “óculos”, “empenho” pode virar “espinho”, “arenas” pode virar “armas” ou “ramas”, “triplo” pode virar “tripa”, etc... Um verbo conjugado como “rogamos” pode virar “orgasmo”, e por favor, evite usar qualquer forma flexionada do verbo “fundir”, que corre o risco de virar... Bem, você sabe o quê.
Acho que todo mundo já passou por esses embaraços no uso do Whatsapp, agravados quando o usuário só percebe a troca de termos depois de já haver enviado a mensagem ao seu destinatário.
Caso do meu amigo Flávio Brandão, que uma vez perdeu uma oportunidade financeira por causa disso. Respondendo a uma proposta promissora, enviou mensagem confirmativa, só que o nome do seu desconhecido futuro sócio, o Sr. Carvalho, foi trocado pelo Whatsapp por um outro, quase o mesmo, mas sem a letra /v/. Meu amigo recebeu uma resposta desfazendo o negócio, e mais: seu sobrenome, de Brandão, foi substituído por Bundão. (E a substituição, claro, não foi mais do Whatsapp!). Enfim, como se diria em Linguística, ficou tudo dentro do mesmo campo semântico.
Mas é do ponto de vista sintagmático que acho o Whatsapp mais interessante. E por quê? Porque, uma vez escolhida a palavra, ele, o Whatsapp, se adianta e, sem você pedir, sugere a próxima, ou mesmo as próximas. Você pode não aceitar, mas que ele sugere, sugere.
Por exemplo, se você começa sua frase com a palavra “feliz”, ele vai logo sugerindo “aniversário”. Se você aceitar, ele prossegue nas sugestões e lhe dá de mão beijada, coisas como: “querido amigo”, ou “meu amor”, ou “mamãe”, ou “minha filha”, ou “gatinha”, ou “gostosona”, etc...
Claro, essa previsibilidade também está na fala humana, oral ou escrita, e facilita um bocado a comunicação, mas, convenhamos, nem só de previsibilidade vive uma criatura. Você pode, no Whatsapp, estar querendo ser um pouquinho mais original, mais criativo, e, neste caso, ele não só não ajuda, como, mais uma vez, atrapalha.
E se, por acaso, você estiver querendo ser poético, aí lascou. A poesia, como se sabe, é o reino da desautomatização, e ninguém nunca sabe, sem antes ter lido, que palavra, ou expressão, ou frase, teria vindo depois de um primeiro termo escrito por um poeta.
Eu até imagino como seria um poeta fazendo poesia no Whatsapp.
Vamos supor Augusto dos Anjos. Quando o poeta paraibano começasse uma frase dizendo: “Sou uma...”, fico imaginando o que o Whatsapp não iria propor ao lado desse artigo indefinido feminino: “mulher”? “garota”? “donzela”? Já seria menos grave se sugerisse “pessoa”, “criatura”, ou “alma”. Com certeza absoluta, não iria sugerir “sombra”, como está no famoso poema de Augusto. “Sou uma sombra” é uma frase que não faz sentido no sistema vocabular do Whatsapp. Talvez em sistema nenhum, mas essa é outra história.
Suponhamos que Fernando Pessoa começasse a digitar no Whatsapp um verso assim: “O poeta é um...”. Bem provável é que viessem coisas como: “autor”, “escritor”. Ou então: “romântico”, ou “sonhador”, por aí. Jamais viria o “fingidor” da Autopsicografia de Pessoa – isso é certo.
E que tal Camões começando seu texto com “As armas...”? Prováveis sugestões de continuidade do Whatsapp poderiam ser: “pistolas”, “granadas” ou “metralhadoras”. Ou então adjuntos como: “depostas”, ou “químicas”, ou “de fogo”, ou “dos bandidos”. “As armas e os barões assinalados”, jamais.
O meu leitor pode alegar que o Whatsapp não é lugar de fazer poesia, porém, estar consciente da cega previsibilidade do seu sistema, ajuda – por contraste - a entender uma das características mais fundamentais e rentáveis do discurso poético, que a sua iluminada e deliciosa imprevisibilidade.