Permita-me o leitor o estrangeirismo no título desta crônica, mas é que a expressão fica mais sugestiva. Isso porque é o nome original de um filme que trata do dia seguinte a um fictício bombardeio atômico, e que aterrorizou muita gente na década de 1980 com a idéia pouco agradável da hecatombe nuclear. Pois é, no dia seguinte às eleições municipais parece que um ataque atômico é vivido por muita gente. São aquelas
pessoas que perderão, a partir de janeiro, as benesses do poder.
Quantas pessoas não deixarão de usufruir o dinheiro fácil das sinecuras municipais? O que acontecerá com aquelas três moças que cuidam do posto telefônico – que poderia ser substituído por um orelhão –, lá no sítio? O dinheiro não é muito, isso é verdade, mas o que reclamar do trabalho de discar um número de telefone? A mais jovem, recém egressa da adolescência, contava com seu salário para a viagem a Olinda, no carnaval. E agora? Deve sacrificar o 13º da sua mãe pensionista? E o jovem rapaz – acabou de casar, o coitado! –, como vai sustentar seu pequerrucho recém-nascido sem o emprego de “batedor-de-papo”, na Secretaria de Educação? Pior, dizem as fofoqueiras do setor de protocolo – são duas para carimbar doze documentos por dia –, que ele acabara de ingressar num consórcio de um carro novo. Que infortúnio! Mas também, quem poderia adivinhar que a oposição venceria desta vez?
Mas não é só de tristeza o dia seguinte ao pleito. Para cada catástrofe pessoal do lado derrotado, há uma contrapartida de júbilo do lado vitorioso. Como está feliz a amiga do coordenador de campanha do candidato vencedor, que está de olho numa das quatro vagas de atendentes do posto telefônico do sítio – o novo prefeito abrirá mais uma vaga, para comportar todos os colaboradores. Ela está desempregada faz dois anos. Arrumou um noivo, mas o namoro acabou antes que as sonhadas núpcias acontecessem. Ela merece o cargo, afinal trabalhou feito um burro na campanha. Perdeu a conta de quantas casas visitou levando o “santinho” do candidato, conclamando todos a votarem na “mudança”, no “novo”. E o filho boa-vida do zagueiro barrigudo do time de “pelada”, do qual o prefeito eleito é meio-de-campo? Será o novo “batedor-de-papo”, na Secretaria de Educação, no lugar do jovem recém-casado. É um menino meio taciturno e não vai fazer o mesmo sucesso que fez o rapaz do consórcio com as colegas de trabalho.
Ah! os cargos públicos. Tão desejados! São como a linda donzela, filha do rico aristocrata, que, da fulgura de seus olhos azuis, despontando na puberdade, atrai dezenas de pretendentes aos umbrais de seu castelo. Não seria outro o motivo de tanta disputa pelo comando de uma pequena cidade. Alguém arriscaria em dizer que há algo de filantrópico na gana de se exercer o mandato eletivo? Que seria o altruísmo o que move essas pessoas para as disputas eleitorais?
E tem uma terceira categoria no dia seguinte às eleições. São aqueles que não tinham as benesses dos cargos públicos, e continuarão sem tê-las, pois foram novamente derrotados. Mas seu dia chegará e eles aguardam ansiosos por ele. Os acomodados à comedeira um dia hão de dar lugar a outros, pois a fila anda. E lá estará o revolucionário, cantarolando músicas de Raul Seixas e usando aquela boina esquisita do comandante “Che”. E ele e seus amigos, que por hora estão distantes dos beneplácitos estatais, finalmente vão poder preencher os cargos públicos. Aquela velha amiga de panfletagem, dos cigarros de cheiro doce, que usa saia indiana e uma bolsa de crochê a tocar-lhe os calcanhares, e que escuta as antigas canções de Belchior, poderá ficar com uma vaga de telefonista, lá no sítio. Mas isso, só nas próximas eleições.