A que nos leva a saudade? A tentar, de algum modo, reconstruir memórias agradáveis que dão sentido ao passado e projetam no futuro a ânsia de repetição do prazer. Escondido e disfarçado nos labirintos do inconsciente, um alimento surgia, com recorrência, da infância: o pão... especificamente um determinado tipo de massa servido há muitos anos, no Convento dos Capuchinhos.
“A repetição é uma maneira de recordar e está a serviço do princípio do prazer”. (Freud)
Uma vaga lembrança do ambiente, a visão de uma cestinha de mini-pães, coberta com uma pequena toalha de linho, de um branco absoluto, sem nenhuma dobra... um cheiro que antecipava o paladar, pães quentinhos e brilhosos, recém-saídos do forno, distribuídos entre os presentes.
O gosto inesquecível seguiu adiante, na procura, no desejo do resgate indecifrável. Assim vieram os cursos de culinária e o interesse prático por pães e receitas sucediam à curiosidade regressiva. Variações sobre o mesmo tema: pães de aveia, de cerveja, queijo, beterraba, coco, cenoura, azeite, grãos integrais, rúcula e tomate, batata, jerimum, macaxeira, enfim, explorando a farinha e suas mil promessas... e o mais trabalhoso: o pão francês, que exigia uma pequena forma ao lado, com água fervente, para obter uma casquinha crocante. No entanto, a investigação continuava…
“Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo”. (Fernando Pessoa)
Quem sabe o alvo dessa procura perdera-se e não poderia mais voltar, da mesma forma que o Convento, hoje transformado em Condomínio Residencial, ou que o frade amigo da família e todos os adultos da cena original?
A resolução, todavia, apesar das evidências concretas, parecia simples. A busca chegou aos países da América do Sul e da Europa: pães extremamente atraentes, mas em nada semelhantes à lembrança da infância. Na última viagem, em novembro de 2023, destacava-se o pão rústico em forma de flor, na Bolonha, bem como os artesanais expostos na feira semanal de produtores italianos. Posteriormente, em Paris, o clima favoreceu uma mudança no ritmo ativo de sair pelas ruas em contínuas descobertas: com guarda-chuva, casaco e botas, enfrentando o vento gélido que desafiava a echarpe de cashmere, as padarias transformaram-se em abrigos ideais e os pães voltavam ao hotel, no fim do dia, para acompanhar um cafezinho, aquecer o corpo e o irrequieto espírito.
“Tirei da minha bolsa um grande pedaço de pão, uma xícara de couro e frasco de um certo elixir para misturar com água de neve”. (Baudelaire)
A história seguia seu curso entre a esperança e o desânimo, mas ao mesmo tempo uma dúvida se formava: será que realmente encontraria aquele pão?
Um amigo, ao saber de tal pesquisa, perguntou: – “Já conheceu o pão de Belém?” – acendendo o estímulo suficiente para descer a serra em direção à cidade vizinha. Uma certa euforia guiava os passos que obedeciam à orientação recebida: “dobrar à esquerda na Praça da Igreja...”
A padaria indicada, na esquina, era propriedade de uma fábrica de bolachas e biscoitos, revendidos em toda a Paraíba. Duas filas paralelas de pessoas saíam do estabelecimento e se estendiam até o leito da rua. Tantos fregueses, indício de boa qualidade dos produtos!
“O desejo de um alimento simples é uma redução dos próprios desejos aos naturais e necessários”. (Epicuro)
Duas atendentes corriam com os pedidos, anotando os códigos correspondentes em pedaços de papel. Alguém indagou sobre o horário de funcionamento durante a Semana Santa que se avizinhava.
Um homem idoso, de baixa estatura, cabelos prateados, roupa surrada, chinelos de couro gastos, quase a tocar o chão, estava sendo atendido pelo caixa. Enfiou as mãos nos bolsos e retirou um bolo de dinheiro em notas de dois reais. Separou cuidadosamente poucas cédulas e as guardou no bolso esquerdo, entregando a maior quantidade à funcionária que contou o total, cédula por cédula. Em seguida, recebeu inúmeros pacotes de pão que quase seus braços magros e flácidos quase não conseguiam abarcar. Caminhou pela rua, com dificuldade, rico na sua extrema simplicidade. Algumas pessoas que recolhiam restos de alimentos, descartados pela feira livre que acontecera naquela manhã, ao vê-lo, aproximaram-se demonstrando conhecimento e até intimidade. Receberam os sacos de papel marrom, entreabertos para acolher pães quentes... ele sorriu e partiu em outra direção.
“Talvez não houvesse mais nada a dizer que nossos olhos não tivessem compreendido”. (Grégoire Bouillier)
A atitude do solidário senhor fez lembrar um certo padre que, em São Paulo, luta e trabalha pelos moradores de rua, os excluídos, os sujos, inconvenientes, abandonados…
Já de posse do pão que motivou a empreitada de recuperação da infância, restavam o sabor e o prazer que, na verdade, estariam em compartilhá-lo com os outros, principalmente com os menos favorecidos, viver a partilha na completa acepção da palavra. A conclusão impôs-se: a cena da infância continha exatamente o que não aparecia em primeiro plano − a cestinha com os pães do desejo foi passando de mão em mão, já que o pão caseiro sempre se destinava a diferentes sorrisos…
Ao retornar pela praça da igreja, uma música ressoava em alto som e remetia à Pascoa e a quem de direito dividiu o próprio Corpo.
“O pão da vida és tu, Jesus, o pão do céu,
O caminho, a verdade, via de amor”.
(canção de Pe. José Weber)