Um brinco, aquela casa. Tudo no seu lugar. A sala de visitas, um primor de arrumação. Tinha as poltronas e a mesa de centro distribuídas em equidistância estabelecida, milimetricamente, com auxílio de uma régua, ao que me parecia. Fosse possível fazer flutuar aquele tapete com tais coisas, nenhum lado pesaria mais do que o outro.
Jarros enormes continham flores belíssimas, de cores vivas, em pontos específicos do ambiente. Na parede principal, um painel de madeira ripada emoldurava um televisor de umas 60 polegadas. Prateleiras em baixo e em cima sustentavam jarros menores, alguns com jiboias, aquelas plantas que se espicham e se dependuram como os cipós. Ali, também, uns porta-retratos com caras sisudas: a dela, a do marido e as de duas crianças, uma de oito, outra de cinco anos, ou seja, ambas em idade para o riso, os gritos, a correria e a bagunça daquilo tudo.
Na sala de jantar, cadeiras perfiladas faziam lembrar um comando de ordem unida, assim chamada a formação habitual das marchas militares. Tudo na mesma linha, nenhuma mais à frente e nenhuma mais atrás. Quando saímos da mesa tive o cuidado de deixar aquela onde me sentei exatamente na posição por mim encontrada. Notei que a sobrinha por quem eu fora até ali conduzido teve o mesmo cuidado. A varanda, ah, a varanda... Nabucodonosor morreria de inveja daqueles jardins suspensos.
Não era rica nem era muito grande a casa que então visitávamos a convite da dona, uma colega de trabalho dessa minha sobrinha. Dias antes, havíamos tido encontro casual num shopping center da cidade. Feitas as apresentações, a moça lembrou de que sua mãe fora revisora de um jornal onde atuei por dez anos e costumava falar disso sempre que lia alguma coisa minha. Supunha que ela gostaria de me rever e, assim, me cobrou a visita. Este, de fato, é um mundo pequeno.
Não houve o reencontro, porquanto uma gripe forte prostrava a ex-revisora, ao que foi dito por nossa anfitriã, com “mil perdões pela ausência”, expressão dela. Mas conheci o dono da casa, um moço agradável, e os dois filhos do casal, ambos arrumadinhos e quietos. “Uns principezinhos”, na visão da minha sobrinha.
Algo, ali, porém, me incomodava. Não me parecia normal aquela casa com arrumações milimétricas, com tudo, absolutamente tudo, no exato lugar. Não, quando aqueles dois tinham filhos tão pequenos. Criança corre, grita, brinca, briga, desarruma. E é natural que seja assim quando a mente é curiosa, o corpo venda saúde e esbanje energia.
Os principezinhos estiveram conosco por uns poucos minutos, tempo suficiente para exposição a mim e à minha acompanhante. Foram-se, com uma jovenzinha, não sei para onde, naquela tarde de sábado, com suas roupinhas engomadas e seus sapatos.
A terceira taça de vinho na varanda derreteu o gelo e desmontou nossas poses e gestos até então formais, enfadonhos. Foi quando tive a impressão de estar saindo de uma daquelas propagandas de charutos e bebidas tomadas, antigamente, como símbolos de elegância e distinção. Lembram disso?
Com a quarta taça surgiram algumas queixas. Dele, o que em nada me surpreendeu. Eu já sabia, de moto próprio, que aquela organização toda não combina com maridos. Minha sobrinha, com o intuito do elogio, havia provocado o assunto da arrumação esmerada de tudo e todos por ali. “Um pequeno palácio, um brinco mesmo”, comentou, para logo escutar: “Não é assim apenas quando temos visitas. É assim o tempo todo, o que me chateia um pouco”, contou ele. E, a partir daí, se estabeleceu uma pequena discussão.
“Meu marido reclama porque não permito brinquedos soltos pela casa e a desarrumação daquilo que eu ajeito. Mas reclama, principalmente, porque não deixo que ele se deite no sofá. Há cama para isso”, respondeu a mulher.
A quinta taça me fez meter o bedelho onde eu não era chamado. Assim o fiz quando ele já nos dizia que mesmo a cama, feita para o sono e outras coisas, era lugar um tanto proibido fora da noite. Mas, juro, falei àqueles dois como quem fala aos filhos. Meu propósito era o de não apenas acalmar os ânimos, mas, sobretudo, o de revelar experiências.
Virei-me para ela: “Permita um certo nível de bagunça, porque isso acontece numa fase da vida bem passageira. E anote o que agora afirmo. Chegará o tempo de você sentir falta do barulho, da correria, da arenga, dos pés com areia, das manchas no piso e nos vidros. As crianças, rapidamente, crescem e se vão. Enquanto isso, vez em quando, sente-se no chão com elas, desarrume um pouco e, na hora da limpeza, não faça isso sozinha. Peça a ajuda. Garanto que você estará preparando adultos responsáveis, saudosos da infância e mais dispostos a estar com os pais”.
Um tanto encabulado, revelei, naquela varanda, que morro de saudade dos filhos em fraldas, com as roupas de barro, com as bermudas e os tênis fedorentos da adolescência. Mais vergonha tive quando percebi que me vinham algumas lágrimas. Desculpei-me, então: “Muito vinho dá nisso”.
Saí dali com a promessa do regresso e a esperança de haver contribuído para a desarrumação, não muita, convenhamos, daquele reduto de príncipes.