Não se sabia se aquilo era um fórum, uma assembleia ou um bate-boca de desocupados. O certo é que lá estavam reunidos uns tipos estranh...

O complô

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Não se sabia se aquilo era um fórum, uma assembleia ou um bate-boca de desocupados. O certo é que lá estavam reunidos uns tipos estranhos ⏤ umas figuras! A primeira a falar foi Metáfora, que desde o início, contra a opinião de Metonímia, autointitulara-se chefe do grupo:


Metonímia não se deu por rendida:


A essas palavras, um frisson percorreu a assembleia. Cochichos, uivos, gritos marcaram a adesão ao ponto de vista de Metáfora (o que fez Ironia, com um sorriso maroto, sublinhar a calma que havia no ambiente). Era preciso fazer ver ao mundo, com todas as letras, como elas sempre foram exploradas pelo Escritor. Só se atribuía a ele o mérito pelos textos que escrevia, mas de onde vinham o vigor e a beleza de suas produções? Vinham delas, figuras, que não mereciam do ingrato nem um registro de rodapé.

Cada uma quis então externar o seu ressentimento. Hipérbato foi o primeiro a falar: “De tal exploração cansei!”. Essa queixa só exacerbou o ânimo de Hipérbole:
“Vamos prendê-lo e crucificá-lo!!”. Felizmente essa conclamação não sensibilizou a todos, esbarrando no bom senso dos mais ponderados. Lítotes preferiu comentar que o Escritor, de fato, não era lá muito honesto ⏤ opinião compartilhada por seu pai, Eufemismo. Elipse nada disse, mas fez questão de dar a entender o que pensava. Perífrase começou, fleumática: “Colegas, antes de manifestar o meu juízo sobre o assunto desta pendência, o qual pretendo seja o mais isento possível, levando em conta não apenas os argumentos aqui apresentados por Metáfora, como também...” ⏤ mas o auditório, aos gritos de “Vamos aos finalmentes!”, não deixou que ela terminasse.

Anacoluto foi sucinto: “O Escritor, vamos dar cabo dele” ⏤ e esse apelo, conquanto ferisse os ouvidos de Eufonia (que se retirou, aborrecida, alegando questão de ordem), concorreu para que o auditório tomasse uma decisão: trazer o Escritor ao plenário e pedir-lhe que, dali em diante, reconhecesse e informasse a todos de quem dependiam os méritos de seus textos. Ou isso, ou o abraço frio de Gramática. “Quero ouvi-lo dizer com as próprias palavras que os reais criadores somos nós” ⏤ enfatizou Pleonasmo sob o aplauso geral, ao mesmo tempo que Sinestesia murmurava para si,
amedrontada: “Ih!... Sinto cheiro de barulho.”

Pouco depois o Escritor entrava na sala e ouvia as reclamações do grupo. Enquanto Metáfora lhe anunciava a sublevação e as opções que lhe restavam, ele podia ver do outro lado Gramática sorrindo e lhe mostrando as algemas ⏤ umas algemas simbólicas, é certo, disfarçadas num monte de regras que pareciam ao Escritor a morte da invenção e da ousadia.

⏤ Seja o que for que vocês queiram, eu cedo ⏤ acabou por dizer. ⏤ De agora em diante, a glória do que eu escrever será de vocês. Mas tem o seguinte ⏤ seguiu-se uma pausa tensa, em que cada figura arregalou os ouvidos e os olhos: ⏤ De vocês quero também o sangue, os nervos, os sonhos e o medo de morrer. Sem essa vibração e sem esse temor, que são o combustível de tudo que escrevo, nenhuma de vocês me serve; nenhuma de vocês funciona ⏤ assim como um corpo não existe sem desejo e sem alma.

Ouvindo tais palavras, Metáfora desabou. Literalmente.

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