Em tempo pratrasmente vivido, Gonzaga Rodrigues, Antônio David e eu fizemos itinerário sentimental no encontro das águas do Rio Gramame com o mar e os seus arredores. Éramos três diante do silêncio, a contemplar “o mar universal e a saudade”, como assinala Fernando Pessoa. Enquanto olhávamos o tapete de luz sobre o mar, o Sol era coruscante e convidativo ao banho.
– Gosto de olhar os pequenos acumulados de água, semelhantes aos encontrados na região do Brejo, mais do que esse mar sem fim à nossa frente, que nem sabemos dimensionar o seu tamanho, os seus mistérios nem sua profundidade –, falei ao ouvido de Gonzaga Rodrigues, formando uma concha com a mão na boca para ele melhor escutar as palavras.
Fez-me o sinal de positivo com o dedo polegar, e com leve aceno da cabeça:
– Não sou uma pessoa do mar.
Ficou calado. Depois continuou:
– Tenho o maior apreço pelos veios d’água e pelos silenciosos regos que escoam pela minha terra, pois os contemplamos com um olhar de relance. O mar é misterioso, amedronta.
Agora sou eu quem acena positivo com a mão, unindo meu pensamento ao olhar dele na paisagem da praia.
Nesse diálogo ocorrido na manhã de sábado com nuvens esparsas cobrindo a praia de Gramame, recordávamos o tempo em que chegamos para residir na antiga Parahyba do Norte. Gonzaga, no começo dos anos de 1950, e eu, igualmente adolescente, em meados de 1971. No lugar onde estávamos os três, restavam pedaços da mata atlântica, com pássaros e répteis cada vez mais escassos. Os coqueiros existentes e o encontro do rio com o mar fizeram lembrar de nossos lugares. Sentimos o remanso das ondas preguiçosamente banhando nossos pés. As espumas das ondas formavam buquês de flores brancas. As palhas dos coqueiros, agitadas pelo vento, definiam o percurso do nosso olhar, lembrando as palmeiras de Serraria e Alagoa Nova. Cada um recordou os aperreios ocasionados pelos entraves políticos de sua época que fizeram os pobres cada vez mais miseráveis e os ricos isolados da pirâmide social, levando-nos a buscar novas paisagens.
Escolhemos a praia de Gramame, mesmo sabendo que Tabatinga é mais exótica. Queríamos observar a vegetação do lugar que está cada vez mais reduzida, devido à presença da foice e do machado. Identificamos arbustos e fruteiras definhando, o araçá e a mangaba cada vez mais escassos, e as carcaças de cimento ocupando as capoeiras. Da ribanceira, olhando o mar, lembramos do Himalaia, onde se encontra o paraíso Shangri-La, imaginado por James Hilton como o lugar onde o tempo não passa.
Naquela manhã, Gonzaga, David e eu lembramos de Alagoa Nova, Taperoá e Serraria, em um passeio de saudades e recordações.
No deslumbramento do silêncio, restou-nos paparicar o lugar.
– O mar é misterioso...
– Gonzaga – respondi –, misterioso somos nós, incapazes de entender o mar e de aproveitar sua riqueza. Mas os recursos naturais do Brejo, com a sua paisagem serrana, ou os cascalhos do Cariri, nunca nos abandonam.
A suavidade da tarde na praia completou a oração matinal, um regalo para a alma.
Nesse encontro do rio com o mar, a natureza se funde num abraço para deixar saudade e convite ao retorno. Essa brisa e esse frescor sempre rejuvenescem o espírito e a vida.
Quando chegar meu tempo derradeiro, eu quero me lembrar de lugares como esse.