Todos os anos, no dia 31 de março, ele me dava os parabéns e contava como foi aquele dia complicado que eu resolvi nascer. Deixou mamãe...

31 de março

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Todos os anos, no dia 31 de março, ele me dava os parabéns e contava como foi aquele dia complicado que eu resolvi nascer. Deixou mamãe na maternidade Frei Martinho, recomendou cuidados a enfermeira, prometendo um “agrado” e correu de volta pra casa: foi queimar os livros que poderiam ser taxados de “esquerda”. O medo já tinha se instalado no país com informações de um golpe dos militares. De repente, batem na porta. Eu imagino que ele deve ter se assustado. Era meu avô que chegou de surpresa, vindo do Recife, onde morava. Trazia uma “encomenda, para esconder aqui em João Pessoa”. Era meu tio Geraldo Kleber, que veio na mala do carro.

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Orlando Brito
Meus aniversários sempre foram um pouco esquisitos. Nascer no dia 31.03.1964 significava, a cada ano, ver movimentações que eu achava estranhas na televisão, naquela época a principal fonte de divertimento minha e de minha irmã. Militares desfilando como uma comemoração, em contraponto às conversas de papai que eu acabava escutando sobre mortes, prisões, desaparecidos. Cada ano era assim. Lembro que ele falava do amigo da época que morou no Rio, Reinaldo Benevides, que sumiu para nunca mais. A ditadura durou toda a minha infância e juventude.

Ninguém da nossa família sofreu violência física, talvez porque papai não fosse esquerdista – era um homem culto, que não rechaçava nada por radicalismo. Mas, vai saber? Várias mortes não tinham nenhuma lógica. Ele tinha sido secretário da UNE, no Rio, alguns anos antes do golpe... Existia uma tensão no ar representada nas imagem que dava medo de cinco presidentes militares consecutivos e nas ações de cada ato institucional que rasgava a Constituição.

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Memorial da Democracia
Em 1982 eu fui estudar na Inglaterra e vi o que pensavam do meu país, lá fora. No colégio interno, disse que não entendia a manutenção da monarquia. Uma gafe imperdoável que teve uma resposta que me calou até hoje. Uma jovem inglesa de 17 anos, respondeu, perguntando: “Por que um povo vive numa ditadura que comete diversos crimes?”

Faço 60 anos e a ditadura, também. Durou 21 anos e a vida de muitos. Nem nos meus piores pesadelos poderia imaginar que uma tragédia daquelas ameaçou voltar, recentemente, mostrando como tudo ainda é frágil, no Brasil. “É preciso estar atento e forte”. A conversa com papai, todos os anos no dia do meu aniversário sempre terminava com ele se mostrando culpado. É que quando foi buscar mamãe e eu, na maternidade, não encontrou mais a enfermeira para dar-lhe a gorjeta prometida. “Eu devia ter voltado, outro dia”, dizia.

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Wellington e Rosa Aguiar Acervo da autora


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