MONÓLOGO A DOIS
Falo a história dos dias, assim, despercebido, entoando versos que não ecoam mais o assombro da beleza Perto de mim há um anjo que me entende, e chutamos pedras As luzes polvilham a cegueira, e eles já não veem o bordado das asas, as tranças do anjo, a textura desalinhada de seus passos e me condenam a loucura (A praticancia desassistida de sonhos é o testemunho da morte que abomino) Beijo a boca do anjo e tento adivinhar o seu nome antes que desista deste Mundo e me abandone perdido em alguma esquina, repleta de olhares ausentes. (Lisboa, 17 de fevereiro de 2024)
Falo a história dos dias, assim, despercebido, entoando versos que não ecoam mais o assombro da beleza Perto de mim há um anjo que me entende, e chutamos pedras As luzes polvilham a cegueira, e eles já não veem o bordado das asas, as tranças do anjo, a textura desalinhada de seus passos e me condenam a loucura (A praticancia desassistida de sonhos é o testemunho da morte que abomino) Beijo a boca do anjo e tento adivinhar o seu nome antes que desista deste Mundo e me abandone perdido em alguma esquina, repleta de olhares ausentes. (Lisboa, 17 de fevereiro de 2024)
ATERRO
À praia não chegaram rosas, não chegaram as cinzas de Gandhi ou um quase poema (desses que entardecem na memória). Nessa praia, vi a morte, nos olhos do amigo com sua camisa da seleção canarinho. Vi essa praia crescer, tomar forma, derramar-se sobre o mar sob a força das dragas e tratores. Vi Joana, a polonesa, com seus olhos azuis – Num tempo em que eu ignorava a Polônia e a poesia de Wislawa –; passei em suas costas o filtro contra o Sol, e como foi bom tocar a beleza. Despi mulheres nessa praia e alisei suas bundas como não fiz com Joana. Fiz da praia uma cama em um primeiro de Janeiro de um ano qualquer. Confiei nessa praia e me larguei inconsciente ouvindo um trem distante. Hoje, aqui estou na mesma praia embora o tempo da delicadeza tenha se esvaído ou, quem sabe, tenha sido sorvido por uma urgência surda para o que é eterno.
À praia não chegaram rosas, não chegaram as cinzas de Gandhi ou um quase poema (desses que entardecem na memória). Nessa praia, vi a morte, nos olhos do amigo com sua camisa da seleção canarinho. Vi essa praia crescer, tomar forma, derramar-se sobre o mar sob a força das dragas e tratores. Vi Joana, a polonesa, com seus olhos azuis – Num tempo em que eu ignorava a Polônia e a poesia de Wislawa –; passei em suas costas o filtro contra o Sol, e como foi bom tocar a beleza. Despi mulheres nessa praia e alisei suas bundas como não fiz com Joana. Fiz da praia uma cama em um primeiro de Janeiro de um ano qualquer. Confiei nessa praia e me larguei inconsciente ouvindo um trem distante. Hoje, aqui estou na mesma praia embora o tempo da delicadeza tenha se esvaído ou, quem sabe, tenha sido sorvido por uma urgência surda para o que é eterno.
PARQUE MOSCOSO SURREAL
“Chère imagination, ce que j’aime surtout en toi, c’est que tu ne pardonnes pas.” (André Breton) Houve um tempo de mágicos e suas caixas que pariam imagens lambidas como crias: do chafariz neoclássico onde os jacarés de papo amarelo tiravam sua madorna, da alameda de Oitis que levavam a um velho semáforo ignorado pelos pombos, da grande concha que imitava nossa voz, pontes com galhos de concreto sobre o lago onde brincávamos de equilibristas enquanto enormes tartarugas marinhas carregavam marrecos sobre os cascos.
“Chère imagination, ce que j’aime surtout en toi, c’est que tu ne pardonnes pas.” (André Breton) Houve um tempo de mágicos e suas caixas que pariam imagens lambidas como crias: do chafariz neoclássico onde os jacarés de papo amarelo tiravam sua madorna, da alameda de Oitis que levavam a um velho semáforo ignorado pelos pombos, da grande concha que imitava nossa voz, pontes com galhos de concreto sobre o lago onde brincávamos de equilibristas enquanto enormes tartarugas marinhas carregavam marrecos sobre os cascos.