A chuva escorre pela vidraça enquanto penso no maior desafio dos nossos dias: encarar o mundo convulsionado enquanto tentamos fingir que temos algum controle sobre os acontecimentos que se avolumam, enchendo o nosso coração de angústia. Lutamos contra as ilusões, buscando conforto em meio ao tumulto. Tememos que ele ultrapasse o portal de nossa casa e espalhe sua baba viscosa sobre tudo o que nos é caro. Mais que isso, tememos o poder do seu contágio. Ansiamos por controle, mas ele nos escapa entre os dedos.
É uma luta inútil a que há entre o nosso desejo de domínio sobre as forças externas e a dura realidade da imprevisibilidade inerente à vida, uma batalha que estamos destinados a perder. As mentes dos outros — mesmo os mais queridos — permanecem imunes à nossa influência, um reino além do alcance. E, no entanto, persistimos nas nossas tentativas fúteis de lhes impor a nossa vontade, procurando validação, compreensão e amor, como se tais coisas pudessem ser impostas. Da mesma forma, somos impotentes face à morte, à doença e aos caprichos dos que governam o curso das nações e iniciam as guerras.
Talvez o nosso desejo de controle esteja enraizado num secreto e paradoxal sonho de segurança e estabilidade num mundo caracterizado por caos e incerteza. Mas a realidade implacável esmaga as ilusões sob o seu peso. Quanto mais nos apegamos à frágil ideia de controle, mais nos encontramos enredados em teias de ansiedade, stress e descontentamento, lutando inutilmente para submeter o mundo à nossa vontade.
Desejo e expectativa emergem como espectros gêmeos que assombram nossa existência, acorrentando-nos a um ciclo de sofrimento. O nosso desafio máximo talvez resida em desvendar a natureza dos desejos que cultivamos; em discernir entre aqueles que nos impulsionam para frente e os que nos impedem o progresso. Exige um autoexame corajoso, uma vontade de confrontar os recônditos sombrios da nossa psique e de distinguir entre as aspirações nascidas do ego, do apego e do medo, e as que surgem de uma aspiração genuína de crescimento e autorrealização.
Não sou dos que se resignam ao destino, mas sim dos que pesam as probabilidades e escolhem cuidadosamente quando lutar e quando ceder ao inevitável, adaptando as minhas emoções às circunstâncias que estão fora do meu controle.
Foi abandonando o desejo de comandar as realidades externas que encontrei a verdadeira liberdade e paz de espírito. Há muito que resolvi concentrar as minhas energias naquilo que posso governar – os meus pensamentos, ações e perspectivas – e me libertar o restante. É o que me permite viver plenamente o momento presente e encontrar serenidade em meio ao rugir dos dias. Essa aceitação da imprevisibilidade inerente à vida me liberta dos fardos adicionais do perfeccionismo e da preocupação excessiva, permitindo-me a entrega mansa ao fluxo e refluxo da existência.
Enquanto escrevo este texto, chega mensagem de meu filho, contando uma cena que presenciou em Singapura. Diante de um templo, um homem adornado com tatuagens golpeava as costas nuas com uma série de lâminas – espadas, facas e até um machado – dispostas sobre um papiro contendo caracteres chineses escritos com tinta vermelha. O homem se movia em ritmo cadenciado. Passava, batia nas costas e um assistente queimava os papiros.
Uma coincidência interessante a chegada dessa mensagem. Aparentemente, a cena fazia parte de uma cerimônia budista tradicional na qual a dor física serve de metáfora para o corte dos apegos terrenos e a obtenção da liberdade espiritual. O praticante não está realmente se machucando, mas sim usando as lâminas cegas para bater nas costas de maneira controlada, simbolizando a capacidade de resistir à dor e à adversidade. A queima do papiro representa a destruição de pensamentos e apegos escravizantes.
É um lembrete comovente das inúmeras maneiras pelas quais nos vinculamos a condicionamentos sociais, culturais ou familiares, criando involuntariamente cadeias das quais desejamos escapar. Nem sempre percebemos tal influência, mesmo quando ela nos esmaga com sua força férrea e castradora. Em outras situações, pode ser o medo do desconhecido ou a aversão ao risco que nos impede de buscar alternativas. Mantidos em voo de galinha, acostumamo-nos a prisões emocionais ou psicológicas, mesmo às custas de nos sentirmos violados e desconfortáveis. Dessa armadilha bem tecida só escaparemos quando nos permitirmos desenvolver uma aguda consciência crítica dos condicionamentos que incorporamos. Um olhar profundo e compassivo para dentro de nós, questionando e identificando os condicionamentos que nos impedem de viver uma vida plena e significativa. Nesse instigante caminho, palavras como disciplina, autorrespeito, amor próprio e persistência me são caras. Penso nelas como pequenos gestos de amor que fazemos a nós mesmos.
A chuva continua a cair lá fora, um tamborilar constante contra a vidraça. Os gatos dormem, trago um livro nas mãos. Dentro dos limites da minha casa, há uma calma que me envolve, doce instante que sussurra paz em meio ao caos do mundo.