⏤ Vovô, me disseram que a vida nunca acaba. Isto tem sentido?
⏤ Não procure o sentido, Arthur. Sentido é passado, acabado, perfeito. Procure sentir, que é contínuo. A vida nunca acaba.
⏤ Se a vida nunca acaba por que a gente morre?
⏤ Nós não morremos, apenas a matéria corpórea se transformou.
⏤ Mas a gente deixa de existir, vovô!
⏤ Não procure o sentido, Arthur. Sentido é passado, acabado, perfeito. Procure sentir, que é contínuo. A vida nunca acaba.
⏤ Se a vida nunca acaba por que a gente morre?
⏤ Nós não morremos, apenas a matéria corpórea se transformou.
⏤ Mas a gente deixa de existir, vovô!
⏤ O corpo deixou de existir na forma em que se encontrava, Arthur. Agora, ele estará com outra formação.
⏤ Com outra formação? Como, vovô?
⏤ Olhe em volta, aproveite agora que é inverno, a estação em que, metaforicamente, a Natureza morre. Todos os dias a Natureza nos dá uma aula de que a vida é contínua.
⏤ Como assim, vovô?
⏤ Olhe para estas duas árvores, um plátano e um pinheiro. Elas estão lado a lado, uma seca, outra verde. Elas representam muito bem a perenidade da vida. O plátano, aparentemente, está morto, ressecado, sem folhas, os ramos amputados, como braços sem vida. O pinheiro sempre verde, ao seu lado, cheio de viço, alimentando subterraneamente a seiva que o plátano guarda.
⏤ Como isto é possível?
⏤ No subsolo, as árvores se comunicam umas com as outras pelas suas raízes, e a maior parte dessa interação é processada pelos fungos...
⏤ Os cogumelos, você quer dizer...
⏤ Os cogumelos são apenas uma das muitas espécies de fungo, que se mostram para nós por seus esporos, os seus órgãos reprodutores. A maior parte dos fungos, reino dos mais importantes para a manutenção da vida, compõe uma cadeia subterrânea de intercomunicação, tão infinita quanto os neurônios dos nossos cérebros.
⏤ Mas o que isto tem a ver com a vida ser eterna, com Deus?
⏤ Vamos, em princípio, abstrair a espiritualidade e a religiosidade. Todo material orgânico é processado pelos fungos. Flores, frutos, folhas, ramos, galhos, troncos, carne, músculos, fibras, peles... e transformado em nutrientes para o solo, de que as plantas vão se alimentar. Os vegetais vão, então, se reproduzir, a partir desse alimento; os animais se alimentam de vegetais, nós nos alimentamos dos vegetais e dos animais, e reprocessamos em nós a matéria orgânica que se transformou, ajudada em grande parte pelos fungos.
⏤ Acho que começo a compreender, vovô.
⏤ Dessa maneira, todos estamos interligados, vegetais, animais e humanos. De certo modo, temos dentro de nós parte de nossos ancestrais, de outros seres humanos e da Natureza, de um modo geral. Permanecemos, enfim, seja no ambiente que nos rodeia, seja nos seres que habitam o nosso meio. E não estou me referindo em termos espirituais ou religiosos, como já disse, no sentido de alguma religião institucionalizada. Estou me referindo a um princípio básico cosmológico, que é a lei de permanência da substância. É ciência.
⏤ Então, não permanecemos apenas nas obras que deixarmos ou nos filhos que tivermos? Permanecemos também em quem não conhecemos, nos animais e na Natureza, de um modo geral, vovô?
⏤ Sim. Nada existe no universo que não esteja unido pela matéria e pela energia. A divisão entre orgânico e inorgânico é apenas aparente e uma classificação didática. Na realidade, um não existe sem o outro. Somos feitos basicamente de carbono e de outros minerais, que uma centelha energética atingiu, quando se reuniram as condições favoráveis para que a vida deixasse o estado de latência e se realizasse plena e perpetuamente.
⏤ É difícil, vovô... Mas, por que tanto se fala em Deus e em espírito?
⏤ Em primeiro lugar, por uma razão prática, como diz o grande cientista Alemão, Ernst Haeckel, que um dia você lerá. O ser humano busca atingir a perpetuidade e não se contentaria apenas com uma vida passageira e dificultosa, na terra. Mas deixando de lado, a visão materialista e irônica de Haeckel, vemos que a sua concepção de Monismo — talvez ele não tenha se dado conta –, não se restringe ao materialismo. Do mesmo modo que de um tecido monocelular se originaram todas as espécies viventes, assim se dá com o milagre da vida animal. De um óvulo fecundado, simples, surge uma vida extremamente complexa, que deverá retornar à unidade e recomeçar, indefinidamente, em busca de uma evolução. Haeckel se atém à evolução das espécies, mas há também uma evolução do espírito, quando aprendermos a simbiose que nos une à Natureza que nos circunda e ao meio social.
⏤ Deus, então, pode ser a Natureza, vovô?
⏤ Podemos dizer assim, Arthur. O próprio Haeckel fala desse monismo panteísta. Estamos em tudo e tudo está em nós. Apenas acrescento que viemos para aprender que só existe vida, sendo a morte apenas um processo para novas vidas, até que aprendamos a lição.
⏤ No colégio, aprendi que a Natureza é cíclica, por isto existe a renovação, com as estações do ano, vovô.
⏤ Sem dúvida que existe um ciclo, mas o que muitos denominam apenas de Natureza cíclica, podemos chamar de criação divina, de Deus nos revelando com o seu poder que a vida é eterna e a morte apenas uma aparência de fim. Um dia, você lerá um dos grandes poetas do Brasil, Augusto dos Anjos.
⏤ O que tem ele, vovô?
⏤ Muitas são as definições de morte em sua poesia, mas aquela de que eu gosto mais, por conta da sua criatividade e exatidão, é a que compara a morte a uma alfândega (Eu, “Os Doentes”, estrofe 30, versos 115-118):
⏤ Com outra formação? Como, vovô?
⏤ Olhe em volta, aproveite agora que é inverno, a estação em que, metaforicamente, a Natureza morre. Todos os dias a Natureza nos dá uma aula de que a vida é contínua.
⏤ Como assim, vovô?
⏤ Olhe para estas duas árvores, um plátano e um pinheiro. Elas estão lado a lado, uma seca, outra verde. Elas representam muito bem a perenidade da vida. O plátano, aparentemente, está morto, ressecado, sem folhas, os ramos amputados, como braços sem vida. O pinheiro sempre verde, ao seu lado, cheio de viço, alimentando subterraneamente a seiva que o plátano guarda.
⏤ Como isto é possível?
⏤ No subsolo, as árvores se comunicam umas com as outras pelas suas raízes, e a maior parte dessa interação é processada pelos fungos...
⏤ Os cogumelos, você quer dizer...
⏤ Os cogumelos são apenas uma das muitas espécies de fungo, que se mostram para nós por seus esporos, os seus órgãos reprodutores. A maior parte dos fungos, reino dos mais importantes para a manutenção da vida, compõe uma cadeia subterrânea de intercomunicação, tão infinita quanto os neurônios dos nossos cérebros.
⏤ Mas o que isto tem a ver com a vida ser eterna, com Deus?
⏤ Vamos, em princípio, abstrair a espiritualidade e a religiosidade. Todo material orgânico é processado pelos fungos. Flores, frutos, folhas, ramos, galhos, troncos, carne, músculos, fibras, peles... e transformado em nutrientes para o solo, de que as plantas vão se alimentar. Os vegetais vão, então, se reproduzir, a partir desse alimento; os animais se alimentam de vegetais, nós nos alimentamos dos vegetais e dos animais, e reprocessamos em nós a matéria orgânica que se transformou, ajudada em grande parte pelos fungos.
⏤ Acho que começo a compreender, vovô.
⏤ Dessa maneira, todos estamos interligados, vegetais, animais e humanos. De certo modo, temos dentro de nós parte de nossos ancestrais, de outros seres humanos e da Natureza, de um modo geral. Permanecemos, enfim, seja no ambiente que nos rodeia, seja nos seres que habitam o nosso meio. E não estou me referindo em termos espirituais ou religiosos, como já disse, no sentido de alguma religião institucionalizada. Estou me referindo a um princípio básico cosmológico, que é a lei de permanência da substância. É ciência.
⏤ Então, não permanecemos apenas nas obras que deixarmos ou nos filhos que tivermos? Permanecemos também em quem não conhecemos, nos animais e na Natureza, de um modo geral, vovô?
⏤ Sim. Nada existe no universo que não esteja unido pela matéria e pela energia. A divisão entre orgânico e inorgânico é apenas aparente e uma classificação didática. Na realidade, um não existe sem o outro. Somos feitos basicamente de carbono e de outros minerais, que uma centelha energética atingiu, quando se reuniram as condições favoráveis para que a vida deixasse o estado de latência e se realizasse plena e perpetuamente.
⏤ É difícil, vovô... Mas, por que tanto se fala em Deus e em espírito?
⏤ Em primeiro lugar, por uma razão prática, como diz o grande cientista Alemão, Ernst Haeckel, que um dia você lerá. O ser humano busca atingir a perpetuidade e não se contentaria apenas com uma vida passageira e dificultosa, na terra. Mas deixando de lado, a visão materialista e irônica de Haeckel, vemos que a sua concepção de Monismo — talvez ele não tenha se dado conta –, não se restringe ao materialismo. Do mesmo modo que de um tecido monocelular se originaram todas as espécies viventes, assim se dá com o milagre da vida animal. De um óvulo fecundado, simples, surge uma vida extremamente complexa, que deverá retornar à unidade e recomeçar, indefinidamente, em busca de uma evolução. Haeckel se atém à evolução das espécies, mas há também uma evolução do espírito, quando aprendermos a simbiose que nos une à Natureza que nos circunda e ao meio social.
⏤ Deus, então, pode ser a Natureza, vovô?
⏤ Podemos dizer assim, Arthur. O próprio Haeckel fala desse monismo panteísta. Estamos em tudo e tudo está em nós. Apenas acrescento que viemos para aprender que só existe vida, sendo a morte apenas um processo para novas vidas, até que aprendamos a lição.
⏤ No colégio, aprendi que a Natureza é cíclica, por isto existe a renovação, com as estações do ano, vovô.
⏤ Sem dúvida que existe um ciclo, mas o que muitos denominam apenas de Natureza cíclica, podemos chamar de criação divina, de Deus nos revelando com o seu poder que a vida é eterna e a morte apenas uma aparência de fim. Um dia, você lerá um dos grandes poetas do Brasil, Augusto dos Anjos.
⏤ O que tem ele, vovô?
⏤ Muitas são as definições de morte em sua poesia, mas aquela de que eu gosto mais, por conta da sua criatividade e exatidão, é a que compara a morte a uma alfândega (Eu, “Os Doentes”, estrofe 30, versos 115-118):
Porque a morte, resfriando-vos o rosto,
Consoante a minha concepção vesânica,
É a alfândega, onde toda a vida orgânica
Há de pagar um dia o último imposto!
Ele próprio define a concepção como vesânica, produzida por um louco, por alguém não sadio de espírito, por ser fruto de um delírio. No entanto, nada mais precisa do que essa concepção. O delírio, muitas vezes, pode ser a expressão da mais absoluta lucidez. Toda vida orgânica, não importa qual seja ela, tem um limite, uma extensão.
A morte, agindo como uma alfândega, cobra, como um último imposto, toda a matéria que deve permanecer para continuar a compô-la, sob outras formas. Trata-se de matéria que não está autorizada a seguir viagem, por se tratar de outras fronteiras que só aquilo que move a vida orgânica tem permissão para prosseguir.
⏤ É a nossa alma, vovô, que deixa o nosso corpo?
⏤ Sim, Arthur. E permanecemos de duas maneiras, na matéria orgânica que se transforma e no sopro que se vai. Como a matéria orgânica se plasmará em novos seres, o sopro retorna para completá-la. Não haveria sentido, se fosse diferente. Não se trata, pois, de um Deus distante, fora do mundo, de barbas brancas, com uma caderneta na mão, anotando o que fazemos, para nos punir. Mas de um Deus que está em nós, está em tudo, por ser intramundo, e que nos permite, a partir de muitas transformações ocorridas, retornar e aprender. A vida nunca morre, a vida é contínua, aprendizado constante, e o universo inteiro, como diz Haeckel, é um perpetuum mobile, abraçando tudo (Os enigmas do universo, Capítulo XIII, História do desenvolvimento do universo, p. 282). Só precisamos tomar consciência disso.
⏤ Agora, estou sentindo, vovô!
⏤ É a nossa alma, vovô, que deixa o nosso corpo?
⏤ Sim, Arthur. E permanecemos de duas maneiras, na matéria orgânica que se transforma e no sopro que se vai. Como a matéria orgânica se plasmará em novos seres, o sopro retorna para completá-la. Não haveria sentido, se fosse diferente. Não se trata, pois, de um Deus distante, fora do mundo, de barbas brancas, com uma caderneta na mão, anotando o que fazemos, para nos punir. Mas de um Deus que está em nós, está em tudo, por ser intramundo, e que nos permite, a partir de muitas transformações ocorridas, retornar e aprender. A vida nunca morre, a vida é contínua, aprendizado constante, e o universo inteiro, como diz Haeckel, é um perpetuum mobile, abraçando tudo (Os enigmas do universo, Capítulo XIII, História do desenvolvimento do universo, p. 282). Só precisamos tomar consciência disso.
⏤ Agora, estou sentindo, vovô!