Quando eu partir que farão com o meu nome?
Criarão pequeno verso, ou cantiga de assombro
Como as cantigas de ninar de meu tempo de infante?
Quando eu partir que dirão que fui um dia?
Incansável sonhadora, não obstante a covardia
dos meus pares, mais ditosos…
Mulher doce por momentos mas tirana e atirada
dependendo do repente que se faça, nessa data…
Fortaleza para os fracos mas fraqueza que alivia as angústias dos amigos que ainda sofrem a agonia
da incerteza, quanto a vida dúvida atroz que lhes visita
pode ainda ser guarita para enxergar mais longe…
Para isso, deixarei alguns livros bem usados:
Galeano, Jean Paul Sartre, Lapierre, Jorge Amado.
Na Cidade da Alegria, aprenderás com a esperança: dignidade e honradez
não são produtos que se compra.
Nos Subterrâneos da Liberdade, aprenderás com a coragem: que o sonho, e a utopia, não deixamos na viagem…
Nas veias da América aprenderás com a vontade: que é preciso conhecer pra enfrentar tantos covardes.
Deixarei ainda para ti: Simone de Beauvoir, já na velhice
a te ensinar que os problemas e abandono, ainda existem... E insistem!
Cervantes, e seus sonhos quixotescos, a nos mostrar que é preciso imaginar com fantasia
vendo o brio e a beleza, mesmo quando nossos monstros, são o feio e a desonra
a desordem e amônia
Fernando Pessoa, Graciliano, Castro Alves, Vitor Hugo e Epíteto, Cecília Meireles, Cora Coralina abrindo caminhos luminosos
nas esquinas, bifurcações nas estradas empoeiradas…
Amor, onde não restar mais nada... Esperança, quando já não houver bonança.
Deixarei também uns cordéis amarelados, uns vinis, tão antigos e amados
deixarei ainda uns vidrilhos que possas rebordar as tuas máscaras
quando o carnaval se aproximar... Não deixes de visitar os quatro cantos de Olinda
e seus bonecos a desfilarem pelas ruas e ladeiras, coloridas
com passistas e artistas da cidade não esqueças de Pitombeira e Elefante
Vassourinhas e bacalhau do batata, sorria com as crianças nas calçadas
suas batas e castanholas em suas mãos: são as almas.
Veja ainda o museu do mamulengo tradição e o novo dia se encontrando.
Quando eu partir, joguem todas as minhas queixas... Não lhes servirão
pra nada, sigam em paz com alegria, esqueçam, se já fui triste um dia
só recordem dos sorrisos com que bordei o meu rosto.
Da vontade de viver, mesmo aos tropeços, dos encontros com os amigos, na cozinha
do trabalho edificante que eu tinha dos amores, tão amados, que viviam a me visitarem sempre que chovia...
É muito difícil ser inteiro.
uma parte se afasta, a outra fica
uma chora aflita, a outra ri
uma parte da gente até que aceita
outra grita de dor ainda se irrita.
Precisando de um tempo, vou ali
partirei pra bem longe de minha parte
a saudável esgotou a munição
suas flores queimadas hoje incenso
seus temores jogados em porão…
Minha parte megera hoje domina
pensa em queima de fogos na nação
quando ver tanta infâmia se agita
solitária divide a multidão
Já a outra é só resiliência
sonha e brinca com amigos imaginários
joga barra bandeira, empina pipas
pinta nossa bandeira, cor primária
minha parte arteira pinta e borda
já a outra é só destruição
joga tintas pincéis pela latrina
sonha caras pintadas dando as mãos.
Já fui amor de armário, ficava quietinha
era escuro e abafado
brincava com os casacos, vestidos e túnicas
as vezes me impregnava de naftalina
aguardando meu amor com ramalhetes e leite.
Já fui amor de estante, ficava inerte estanque,
decorando o espaço brigando com os livros, bibelôs e a jiboia...
A jiboia? Aquela caía desimpedida sem pudor podia descer até o tapete encardido.
Um dia meu amor me tirava, e me amava com ardor, poeira e suor.
Já fui amor de cozinha, dançava ágil entre panelas, azeite e temperos do mundo.
Meu amor poderia chegar a qualquer momento
e eu lhe ofereceria as melhores iguarias
então era amada com o ardor das pimentas.
Já fui amor de família com filhos para manter e educar casa e escritório para administrar.
Ficava resiliente, a qualquer hora meu amor voltaria. Não percebia os filhos nem as lágrimas envergonhadas, eu era amada e também rainha.
Hoje, sou amor de redoma, fico protegida perdida e silente de tão quieta, os sentidos dormentes, por dias aguardando sinais
Mas meu amor só retorna para cobrar!