Não me venham confundir o papagaio com o “Urubu Malandro” composto por Pixinguinha. O choro do mestre é obra prima. Pixinguinha, como sabem, faleceu, em estado de graça, ao participar de um batismo. O Brasil lamentou, chorou a perda do grande compositor e músico.
Quanto ao papagaio, em cores vibrantes, o bico em vírgula, não se dava a respeito. Dona Maura, a mulher com quem vivia o agiota, ensinava pornografias à ave multicolor. Dava lições de mal tratos, falando alto, dedo em riste, afrontando o marido (cujo nome eu oculto); principalmente por que nunca concordou quando o cônjuge trouxe o “decorador de palavras” e o encarapitou na sala da frente.
Aqui, o homem pausava o trabalho e começava os dengos com o papagaio. Uma forma de relaxar, escutando sair cantigas do bico, que lhe enchiam de satisfação. Dava lá suas gaitadas quando, entre um cantar e outro, deixava escapar uma expressão reprovável pela mais amena censura. A mulher vinha fumaçando de raiva, dava um cocorote no marido, praguejava contra aquele intruso vestido de penas, um invasor e perturbador da ordem da casa. “Você é um nojento, sujeito! ”
Pela janela se podia perceber, em altos voos, urubus malandros à procura de algum alimento putrefeito pelos lados do matadouro. Nenhum deles era o de Pixinguinha. O marido, coitado, ficava calado, jamais reagia. Diga-se que somente tinha coragem e voz grossa para os devedores: pobres aposentados ou quem ganhasse mixaria. Camuflava o exercício de sua, digamos, profissão, como se fora advogado; usava anel de bacharel em Direito, vestia paletó e gravata, mantinha postura de causídico.
Pelo sim, pelo não, se tornava uma corda de socorro para quem estava afogado em dívidas. Não sabia de códigos, nem de audiências. Tinha muitos fregueses ou clientes. Quem entrasse, ficava difícil sair. Um cafezinho, uma anedota, bons tratos. Maura contando vantagens pela vizinhança, fazendo camas e caveiras, etc. “Meu marido é doutor”.
Aconteceu de um devedor chegar para negociar com o emprestador: não podia, alegações gerais, queria adiar para um mês o pagamento. O agiota avermelhou, se levantou e aberturou o proponente: “Jamais. Você é um enrolão. Quando pretende pagar?” O papagaio veio em defesa do dono, gritando: “Você é um nojento, sujeito! ” Foi quando o devedor aplicou um soco no agiota, prostrando-o. O papagaio bateu as asas, de satisfação. Maura chegou aflita. A ave foi deportada, sabe Deus para onde. Definitivamente.