Quanto relógio de pulso ou mais antigos, de parede, abrira com percepção cirúrgica! Com o socorro do monóculo ia desvendando com um ...

O relógio, a vida

relogio tempo relojoeiro
Quanto relógio de pulso ou mais antigos, de parede, abrira com percepção cirúrgica! Com o socorro do monóculo ia desvendando com um estilete as entranhas do aparelho de marcar o tempo. Puxava pedacinhos minúsculos, quase invisíveis a olho nu e encontrava o defeito que impedia o bom desempenho do relógio. Sorria feliz. Às vezes, um simples ajuste ou uma pilha vazando, algo simples até o colapso fatal da máquina. “Só outro, meu caro!” O dono quedou tristonho: um presente de aniversário que comemorava cinquenta anos...

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Guy Sie
Mas o relógio, embora se mantendo exteriormente em forma, estava aniquilado por dentro. “Não fique assim, homem de Deus, compre outro mais moderno”. O freguês não se conformava com a perda e colocou o fenecido no pulso. Os ponteiros inertes, o mostrador amarelecido, os algarismos afetados, mas tudo original.

O relojoeiro se fez de forte, porém deixou que a contração da face denunciasse sentimento de perda em relação ao relógio do velho freguês. “A vida da gente é um relógio.” – disse, aos suspiros, aparando água na quartinha, lembrando o que dissera o triste freguês de muitos anos: “Nunca mais usarei relógio”.

Talvez um comportamento exagerado, beirando a senectude, todavia ele tinha lá razões para renunciar ao medidor do tempo. O sucessor da ampulheta, redondo, em ouro maciço, ganho como presente, quando ingressara na faculdade. O pai exultante, pulando de alegria, abriu a caixa e colocou o relógio no braço do filho.

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Guy Sie
O relojoeiro não conseguiu, naquele dia, trabalhar tranquilo. O relógio do homem abatido pelo desengano fazia parte da rotina dele. Todo ano, aquela peça antiga, de precisão suíça, lhe caía às mãos para um check-up. Fizera amizade e intimidade com o “paciente” de metal, conversava com ele, enquanto o examinava. Até dizia palavras de conforto!... “Do jeito que estás, vais durar muito”. Trabalhava certinho.

Haveria o momento final. O dono nunca se conformou. Media seu tempo pelos ponteiros imóveis.

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  1. Bebê-lo texto, amigo Guerra. Parabéns. Gil.

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    1. Grato, amigo e colega poeta e escritor Gil.

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  2. Belo escrito sem dúvida, mas vou aqui lembrar que nem Tudo está morto: na massa de presentes que a Arábia Saudita doou pela refinaria brasileira entregue pelo ex-Presidente B, constou um Rolex de ouro

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    1. Amigo, o da crônica é ficcional. É digno.

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  3. 👏👏👏👏👏👏👏👏🙏🙏🙏🪡🧵✂️

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