O primeiro censo realizado no Brasil foi efetuado no ano de 1872, o único no período monárquico (1840-1889). Somente em 1890, foi reali...

O Lyceu Paraibano e o Sistema Educacional Brasileiro

lyceu paraibano educacao brasileira
O primeiro censo realizado no Brasil foi efetuado no ano de 1872, o único no período monárquico (1840-1889). Somente em 1890, foi realizado o segundo censo, já no governo republicano. De acordo com dados do censo do IBGE de 1940, naquele primeiro levantamento de 1872 foi constatado que cerca de 82,3% da população brasileira era analfabeta.

O Lyceu Paraibano foi instituído em 24 de março de 1836, pela Lei nº 11 — aproveitando-se as cadeiras de humanidades já existentes —, destinado à instrução secundária, e regulamentado pela Lei nº 13, de 19 de abril do ano seguinte.

lyceu paraibano educacao brasileira
Fundado em 1836, o Lyceu Paraibano funcionou no prédio do antigo Convento dos Jesuítas, na praça Comendador Felizardo (Jardim Público / atual praça João Pessoa), até a década de 1930, quando foi transferido para o atual edifício, na avenida Getúlio Vargas.
A Lei nº 11 definia:


Foi criado pelo Estado sob o regime de externato gratuito, com a função de ministrar o ensino público em um curso com duração de sete anos, equiparado ao Ginásio Nacional. Seus alunos, aprovados no curso, estariam habilitados para os exames de madureza ao título de bacharel em ciências e letras, facultando-lhes também a matrícula nos cursos de ensino superior no país.

lyceu paraibano educacao brasileira
Imagem ilustrativa ▪ Fonte: PcRyl
Por volta de 1913, o corpo docente desse educandário, composto pelos então denominados Lentes Catedráticos e suas respectivas Cadeiras, era assim constituído:

Corpo Docente
Cadeira Lente Catedrático
Latim Francisco Xavier Junior (Diretor)
Português Dr. Maximiano José de Inojosa Varejão
Francês Dr. Francisco Alves de Lima Filho
Inglês Dr. Antônio Thomaz Carneiro da Cunha
Alemão Ernesto Emilio Kauffman
Grego Cônego Sabino Coelho
Matemática elementar Dr. João da Silva Porto
Geometria geral, cálculo e geometria descritiva Horácio Henriques da Silva
Mecânica e astronomia Cônego Dr. Santino Maria da Silva Coutinho
Física e química Farmacêutico José Francisco de Moura
Geografia Dr. Thomaz de Aquino Mindello
Meteorologia, mineralogia e geologia Dr. Odilon Fernandes de Carvalho
Biologia Dr. Eugênio Toscano de Brito
Sociologia e moral Dr. João Pereira de Castro Pinto
História universal Dr. Gustavo Mariano Soares de Pinho
História do Brasil Dr. Cícero Brasiliano de Moura
Literatura nacional Tito Henrique da Silva
Rememoremos alguns dados do ensino em nosso país.

A primeira faculdade de Medicina criada no Brasil após a chegada de D. João VI, foi a Escola de Cirurgia da Bahia, em 18 de fevereiro de 1808, em Salvador. Pouco depois, em 2 de abril, outro decreto assinado pelo imperador por meio da Carta Régia de 5 de novembro de 1808, criou a Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, instalada no Hospital Militar do Morro do Castelo.

lyceu paraibano educacao brasileira
lyceu paraibano educacao brasileira
Escola de Cirurgia da Bahia (ESQ) e Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (DIR), instaladas em edifícios que, no passado, eram conventos dos Jesuítas. ▪ Fonte: Wikimedia
O surgimento dos primeiros cursos jurídicos no Brasil ocorreu entre os anos 1827-1828, com a criação de duas faculdades de Direito, uma em Olinda, que deu origem à Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco, e outra em São Paulo, que originou a famosa Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, hoje da Universidade de São Paulo.

Dom Pedro II patrocinou o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, modelo de excelência no ensino de alta qualidade. Foi, desde sua fundação, a matriz do ensino das humanidades ao longo de todo o reinado (1840-1889).

lyceu paraibano educacao brasileira
Colégio Pedro II, Rio de Janeiro, no início do século XX. ▪ Fonte: IBGE
Após essas considerações, passo a expor minha experiência em relação à educação ministrada a alguns parentes e amigos nascidos no final do século XIX e começo do século XX:

Conheci vários deles que só tinham concluído o primário, porém sabiam bastante português (falar, ler e escrever corretamente, além de cultura erudita) e matemática suficiente para lidar com a vida prática. Outros, com pais mais abastados, puderam estudar medicina na Bahia e no Rio de Janeiro (caso do meu tio e pai). Meu bisavô por parte de mãe, Joaquim Gonçalves Rolim,
lyceu paraibano educacao brasileira
Padre Rolim ▪ Fonte: Cajazeiras de Amor
nascido em Cajazeiras, Paraíba, formou-se em Direito na Universidade de Recife, em 1889. Cajazeiras é a terra do Padre Inácio de Sousa Rolim (cuja livro mais famoso intitula-se “Gramática Grega”, publicado em Paris pela Imprensa Henrique Plox, em 1856) e é a cidade que se orgulha de haver ensinado a Paraíba a ler.

O neto de um amigo que estudou em uma das melhores escolas particulares de João Pessoa, quando cursava o penúltimo ano do curso Científico (hoje Curso Médio), uma vez me pediu para ajudá-lo a resolver problemas de trigonometria. Apresentou-me uma lista com 50 problemas para solucionar. A lista só apresentava problemas de difícil resolução (os que fazem parte dos vestibulares) e ele ainda não sabia nada sobre o tema, porque não havia sido ensinado, nem mesmo, qual era a definição de um seno ou de uma tangente. Como um aluno com tal tipo de ensino, poderia gostar de matemática? Que tipo de didática é essa? Posteriormente entendi exatamente como era que funcionava esse sistema de ensino.

Entendi então, qual era a estratégia desses colégios. Normalmente eram matriculadas anualmente dez a doze turmas de 50 alunos na última série do Curso Médio. A cada ano letivo era realizado um teste de português e matemática para todos os alunos candidatos
à matrícula na última série. Os primeiros 50 alunos melhores classificados no teste eram selecionados em uma turma, cujos professores eram os melhores do colégio.

O restante dos alunos era dividido entre as demais turmas da última série. O colégio exigia a todos uniformemente e os menos capacitados tiravam notas baixas e muitos, por falta de apoio do próprio colégio, continuavam sem aprender e com medo de ser reprovados. A famosa segunda época, não existe mais. No fim de cada ano o Conselho dos professores do colégio se reunia e aprovava a maioria, cujo nível era, logicamente, mais baixo. Por outro lado, a turma dos 50, era aprovada nos mais difíceis vestibulares de medicina, engenharia, direito etc. E o colégio continuava com sua fama de excelente ensino.

Imaginem o nível de ensino de muitas escolas públicas atualmente! Isto, para mim, não é método de aprendizagem. Que tipo de didática é essa? Os alunos deficientes necessitam de mais apoio para poder avançar. Que diferença do Lyceu Parahybano de muitas décadas passadas! Comparem o nível da grade de ensino do Lyceu há mais de um século, com as escolas de hoje.

lyceu paraibano educacao brasileira
1950s: O Lyceu Paraibano, instalado na avenida Getúlio Vargas. ▪ Fonte: IBGE.
No Jornal da USP, de 13 de novembro de 2020, foi publicado que 29% da população brasileira tem dificuldade para ler textos e aplicar conceitos de matemática, ou seja, são considerados analfabetos funcionais.

Qual será o futuro de nossos netos no ano 2050, sabendo que no segundo trimestre de 2021 a população de jovens na faixa etária até 29 anos que não estuda nem trabalha (os nem nem) era de 30%, correspondendo a 12,3 milhões de pessoas? Quem sustentará os aposentados?

A taxa de analfabetização mais atualizada no Brasil foi divulgada pelo IBGE em 2022 na última Pesquisa por Amostra de Domicílios. Das 9,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabiam
ler e escrever, 59,4% (5,3 milhões) viviam no Nordeste e 54,1% (5,2 milhões) tinham 60 anos ou mais. Entre as unidades da federação, as três maiores taxas de analfabetismo foram observadas no Piauí (14,8%), em Alagoas (14,4%) e na Paraíba (13,6%) e as menores, no Distrito Federal (1,9%), Rio de Janeiro (2,1%) e em São Paulo e Santa Catarina (ambos com 2,2%). 

Um levantamento da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) aponta que apenas 31% das escolas públicas brasileiras têm biblioteca. A informação se baseia no Censo Escolar de 2022. Os Estados que registram menor porcentual de alunos matriculados em escolas com bibliotecas são Acre (13%), São Paulo (16%) e Maranhão (29%). Já Minas Gerais (82%), Rio Grande do Sul (76%) e Paraná (73%) têm mais estudantes com livros à disposição. Desde 2010, o Congresso aprovou, em 2010, lei para universalizar bibliotecas na rede pública de ensino em uma década. O prazo ainda não foi cumprido (Estadão, 18/02/2024).

A conclusão óbvia é que a única maneira possível para se recuperar a educação no Brasil, será com a valorização e capacitação continuada do professor. Aliada ao estabelecimento de condições para o ensino gratuito, inicialmente no primário, em expediente integral, a todos os brasileiros que não possuam condições financeiras para tal fim.

O Brasil possui um dos sistemas de ensino mais perversos do mundo. As melhores universidades públicas pertencem ao governo e são grátis. Porém, só quem chega lá, são os filhos de pais abastados que podem financiar todo o ensino básico fundamental e médio em escolas privadas.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Excelente texto, Sérgio, pleno de informações valiosas. Parabéns. Francisco Gil Messias.

    ResponderExcluir
  2. Oportuno texto que remete a várias possibilidades analíticas. Aproveito para salientar apenas uma. Todos sabem que um curso superior aumenta a renda. Então, objetivamente, uma maneira simples e justa de cobrar dos alunos que estudaram em universidades públicas seria acrescentar um percentual correspondente no imposto de renda. Quem pode paga, quem não tem renda permanece isento até consegui-la. Francisco Albuquerque

    ResponderExcluir
  3. Meu amigo, boa noite! Seu texto está excelente, sendo oportuno para os tempos de indigência cultural que estamos vivendo. Vivo de língua seca, como o papagaio, de falar da necessidade de escolas de tempo integral, com infraestrutura apropriada, professores bem pagos, exigidos e sujeitos a cursos frequentes de atualização. Como você sabe, porém, os nossos (des)governantes só veem a educação como propaganda vazia. Não há um projeto de Estado, sequer, para a educação. O motivo é simples e você conhece: quanto mais analfabetos funcionais, maior o curral eleitoral. Parabéns e um forte abraço.

    ResponderExcluir
  4. Excelente artigo mestre Sérgio! Como sempre. Abraço

    ResponderExcluir
  5. Um artigo feito por quem tem capacidade e competência . Parabéns amigo Sérgio Rolim atual Presidente de nossa ACADEMIA PARAIBANA DE ENGENHARIA.

    ResponderExcluir
  6. 👆Paulo Laercio

    ResponderExcluir
  7. JOSE MARIO ESPINOLA27/2/24 23:22

    O artigo é primoroso, na escrita e nas informações. Porém...
    São arrepiantes as denúncias que ele contém. Recentemente fui informado que a Biblioteca Central da UFPB - Campus 1 está fechada. Será verdade? Se for, por que?
    Excelente artigo, Sergio. Bem ao seu estilo.

    ResponderExcluir
  8. A leitora do seu artigo me traz evocações do nosso queridíssimo Lyceu Paraibano, e da excelência do ensino ali ministrado em outra época. Nesses áureos e saudosos tempos, era ali exigido um exame de seleção para iter o privilégio de ser aluno de professores reputados. Saudades! Parabéns pelas considerações e pelas informações resultantes de pesquisas. E pelas denúncias de um ensino cada vez mais deteriorado, com a queda de qualidade do ensino público e a a comercialização desenfreada do ensino privado. O Professor Cristovam Buarque foi, e é, defensor abnegado da excelência do ensino no País, e sendo por isso alijado do poder. Por tudo isso, parabéns pelo artigo.

    ResponderExcluir
  9. A partir da Lei nº 12.711/2012, também conhecida como Lei de Cotas, metade das vagas (50%) de instituições de ensino superiores públicas devem ser destinadas a candidatos que estudaram os três anos do ensino médio na rede pública, portanto o acesso ao ensino superior não é mais só para famílias abastadas.

    ResponderExcluir
  10. Muito rico em informações e provocador sobre o atual estado da educação brasileira. Digo atual por um simples motivo: a minha filha terminou o ensino médio, faz pouco tempo, em um colégio particular instalado em Manaira que utiliza o sistema de separar os mais preparados 50 alunos, formar uma turma e investir maciçamente (aulas nos sábados e domingos, inclusive) visando o sucesso no ENEM e as fotos dos “campeões “ em outdoors! Está de parabéns o Prof Sergio Rolim por nos brindar com mais esta reflexão.

    ResponderExcluir
  11. Anônimo3/3/24 12:24

    Meu caro Sérgio, seus dotes literários fazem de vc um excelente cronista que leio com prazer e admiração. Já conhecia o seu valor como profissional na sua área mas agora descubro tb que seu poder de pesquisa é excelente.Parabéns, meu caro amigo. Você é um vitorioso.

    ResponderExcluir
  12. Anônimo3/3/24 12:26

    Um forte abraço de Nielson

    ResponderExcluir

leia também