No dia 15 de fevereiro comemorou-se o aniversário de nascimento da médica psiquiatra Nise da Silveira, como estamos no mês de fevereiro resolvi rever um pouco da sua vida e da obra. Nasceu em Maceió (1905) e faleceu no Rio de Janeiro e, 1999, está inscrita no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, fruto de um projeto da deputada federal Jandira Fhegali (PCdo B – Rio de Janeiro).
Quando tomei conhecimento do projeto da deputada, fui reler alguns livros da psiquiatra e também reler textos de escritores que escreveram sobre essa figura ímpar da medicina brasileira. O poeta Mário Quintana escreveu esses versos admiráveis: “Uma vida não basta apenas ser vivida, é preciso ser sonhada”. A Dra. Nise viveu, sonhou e realizou belos projetos de assistência aos portadores de esquizofrenia e de outras doenças mentais na Casa das Palmeiras, no Rio de Janeiro.
Seguidora e introdutora da psicanálise de Jung no Brasil, escreveu livros e trabalhos dentro dessa temática. É de sua autoria o livro Jung vida e obra (Ed. Paz e Terra) em que afirma que não teve a pretensão de resumir a psicologia de Carl Gustav Jung, seria uma tarefa impraticável, é apenas um itinerário de estudo. Como o próprio título do livro indica, começa com uma breve biografia do psicanalista, partindo depois para análise de alguns conceitos junguianos. “Os tipos psicológicos”, “Inconsciente coletivo”, “Contos de fada/mitos”, “A obra de arte e o artista” são alguns dos capítulos. Na última página de cada capítulo, vem uma indicação de leituras para aqueles que desejarem ampliar seus estudos na psicologia junguiana.
Apaixonada por cães e gatos, escreveu Gatos, a emoção de lidar. É autora também de Imagens do inconsciente que foi traduzido para o espanhol, O mundo das imagens e Cartas a Spinoza. Devido à grande importância para a psicanálise, psiquiatria, antropologia, sua obra atinge estudiosos de diferentes áreas. Em 2019, Felipe Magaldi publicou Mania de liberdade: Nise da Silveira e a humanização da saúde. Este livro foi fruto da tese de doutorado em Antropologia Social (UFRJ) e ganhou o Prêmio Capes de Tese, em 2019.
Meu interesse pelos estudos de Jung começou quando cursava o mestrado em Teoria Literária (UFPE) por indicação do professor Wendel Santos, um dos integrantes do Núcleo de Estudos Junguianos, em Recife. Naquela época, adquiri vários livros de Jung, de Nise e de Marie-Louise von Franz. discípulas de Jung. Nise e Marie-Louise foram verdadeiras divulgadoras da psicanálise do médico suíço.
É possível conhecer a trajetória da vida desta notável médica, principalmente os fatos relacionados com a infância passada em Maceió, através da leitura da entrevista que concedeu a Dulce Chaves Pandolfi, no Rio de Janeiro, em 1992, que se encontra disponível no Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC (Fundação Getúlio Vargas).
Filha de uma pianista e de um professor de Matemática, os primeiros estudos foram feitos em Maceió. A mãe gostava de música e de teatro, era uma pessoa “completamente livre de preconceitos”, nas palavras da filha. Para tristeza da mãe, a pequena não tinha a menor inclinação para a música, gostava de recitar poemas e imprimia muita dramaticidade aos textos que declamava. Quando terminou os estudos secundários desejou cursar medicina, como não havia universidade em Maceió foi estudar em Salvador, cursou a Faculdade de Medicina da Bahia ( 1926-1931), em Salvador.
Concluído o curso, voltou para a companhia dos pais em Maceió, mas ficou por pouco tempo, mudou-se para o Rio de Janeiro e começou a dedicar-se ao estudo, à pesquisa e a interessar-se pela psiquiatria. Casou-se com o médico Mário Magalhães. Filiou-se ao Partido Comunista, mas por seu espírito de independência não suportou as exigências que lhe eram impostas pelos dirigentes do partido e pediu para sair, isso não a impediu de continuar a ter ideias socialistas. Foi presa durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas. No período que passou na prisão, conheceu o conterrâneo Graciliano Ramos que se impressionou com a figura carismática da pequena Nise. Ela serviu de inspiração para o escritor criar a princesa Caralâmpia, personagem que se encontra no livro infantil A terra dos meninos pelados.
No Rio de Janeiro, cidade que escolheu para morar e desenvolver suas pesquisas e trabalhos terapêuticos, é possível encontrar espaços nisianos que podem ser visitados, como o Museu de Imagens do Inconsciente, Casa das Palmeiras. As exposições itinerantes com obras (pinturas e esculturas) de seus pacientes já percorreram o Brasil. Há filmes, documentários e peças de teatro que ressaltam, com muita sensibilidade, seu trabalho pioneiro.
Assistimos na Fundação Casa de José Américo, dentro do projeto “ O homem de Areia”, o filme “O coração da loucura”, protagonizado por Glória Pires, disponível em youtube, um excelente filme que oferece um panorama da vida e da obra desta médica notável que merece muito bem figurar entre os Heróis e Heroínas da Pátria.
A médica alagoana enfrentou muitos obstáculos para colocar em prática seus métodos terapêuticos, recorreu à arte e aos animais para demonstrar que, com estudo, amor e dedicação, é possível minorar os sofrimentos daqueles que apresentam distúrbios mentais e sofrem preconceitos de uma sociedade elitista.
Não poderia concluir este texto sem citar essa máxima nisiana:
"É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade"
Sua vida foi um exemplo para todos que lutam por um mundo melhor e mais humano."