Não posso dizer que nunca tive veleidades poéticas. Todos temos, sobretudo quem lida com a palavra e a estuda constantemente através dos bons autores. Fixei-me, no entanto, no ensino da Literatura e não em produzir Literatura. Afirmo com todas as palavras que não sou poeta, sou apenas um versejador que, à força de ensinar que o poema é para o ouvido e não simplesmente para os olhos, acabei por fazer um livro de epigramas, fruto das minhas leituras de Catulo, Marcial e Gregório de Matos, e outro de poemas infantis para os meus netos, Arthur Ígbà e Clara Lis.
Como disse antes, poesia é para os ouvidos. O gosto da poesia começa por saborearmos o ritmo das palavras. Foi a partir dessa compreensão que escolhi o verso heptassilábico, ritmo natural da nossa fala. Falamos mais em heptassílabos do que em prosa livre. Trata-se de um verso bem ritmado, em três tempos – três pausas – bem marcados, na 3ª, 5ª e 7ª sílabas, que lhe dão uma musicalidade “redonda”, daí ser chamado de verso redondilho, no caso específico, redondilho maior, compondo, o mais das vezes, a estrofe chamada redondilha.
Por outro lado, o fato de dar aulas de versificação e de ter acompanhado durante muito tempo as cantorias, além de ter amigo entre os cantadores de viola, isto ajudou a apurar o ouvido. Do mesmo modo que não sou poeta, também não sou repentista, mas se me for dado o mote e um pequeno espaço de tempo, desenvolvo o heptassílabo ou o decassílabo, este no ritmo do martelo agalopado. Sento-me e rapidamente, quando tocado pelo assunto, crio o poema ou a historinha. O processo é o mesmo com os epigramas, que fazem parte do meu livro Epigrammaton, construídos com o duplo heptassílabo.
A ideia de fazer um livro para os netos surgiu colocando-os para dormir, balançando-me com eles na rede. Cansado de cantar as mesmas músicas de ninar, comecei a inventar historinhas com bichinhos, como uma lagartixa, que passeava pela parede, ou com os brinquedos que eles tinham, a exemplo de um cavalo e uma vaca, ambos de borracha, para os quais criei uma história de amizade, e também com um trator amarelo de Arthur, o Tutuco, a partir do qual criei a música Senhor Trator. Depois vi, que poderia escrever histórias em versos, já que tenho um bom ouvido para o ritmo do verso português. Na realidade, o primeiro texto que criei foi para Arthur, três meses mais velho que Clarinha. Arthur ainda estava em fase de aleitamento materno e criei para ele o Melô do Leitinho, no ritmo de funk e em versos heptassilábicos:
Mamãezinha, eu acordei
e estou preocupado:
onde está o meu leitinho,
que me deixa sossegado?
Sossegado, sossegado,
Sossegado, sossegado.
Vem, leitinho; vem leitinho;
vem, leitinho; vem, leitinho.
Se não tomo o meu leitinho,
eu já fico perturbado,
esperneio, choro e grito,
é um show bem orquestrado.
Orquestrado, orquestrado,
orquestrado, orquestrado.
Vem, leitinho; vem leitinho;
vem, leitinho; vem, leitinho.
O meu nome é Arthur,
sou o rei desse pedaço;
sou movido a leitinho
e a quentura de um abraço.
De um abraço, de um abraço,
de um abraço, de um abraço.
Vem, leitinho; vem leitinho;
vem, leitinho; vem leitinho.
De leitinho e de abraço;
vem, leitinho; vem, leitinho;
vem, leitinho; vem, leitinho;
de leitinho e de abraço.
Com o passar do tempo fui criando as historinhas que compõem o meu livro – Histórias em versos do vovô Milton (João Pessoa, Ideia, 2017). Trata-se de um livro simples, com capa colorida, mas miolo em preto e branco, por causa dos custos. São quatro historinhas. Três delas são de minha autoria, envolvendo algum fato com meus netos: um sapo que apareceu na casa de Arthur, ao qual ele deu o nome de Joaquim (O Menino e o Sapo); um gafanhoto que ele descobriu andando na viga da coberta do terraço de casa (Arthurzinho e o Gafanhoto); uma abelha, um urso, uma libélula e um cacho de uvas, que faziam a estampa do pijama de Clarinha, sendo ela a autora da ideia (História do Urso, da Libélula e da Abelhinha). A quarta história, a mais longa de todas, é uma recriação de O Lobo Mau e Os Três Porquinhos.
Há duas revelações importantes a fazer. Uma é que antes de publicar as historinhas, leio o texto para os meus netos, aplicando acentuadamente o ritmo, para que eles percebam a musicalidade. Sendo a língua musical, deve entrar pelos ouvidos e não pelos olhos. A reação é a melhor possível. Eles ficam atentos e pedem sempre para que eu conte outra vez. Clarinha é sempre a mais ligada e gosta de historinhas mais longas. Arthur ouve atento, mas para ele não importa se a história é longa ou curta. Ele gosta de histórias, ponto. A outra revelação é que crio as histórias a partir de situações vividas por Tutuco e Clareta Mutreta, apelido que dei a Clarinha. Nunca escrevo sem ter em mente algo que eles tenham dito ou vivido. Desse modo, procuro criar uma trama para cada história. Não se trata apenas de brincar com as palavras e o ritmo. Se brinco com as palavras, também vejo que posso ensinar com o poema e com a historinha contada, aproveitando algumas histórias que ouvi na minha infância, como é o caso de A História do Sapo Bocarrão:
Eu sou o sapo Bocarrão, mas já me chamei Joaquim.
Vou contar-lhes minha história, do início até o fim.
Muito tempo eu morei, na casinha de um menino,
No jardim, dentro de um jarro, pois eu era pequenino.
O menino era Arthurzinho, para mim um grande amigo,
Deu-me casa e comida, deu-me, enfim, um bom abrigo.
Eu cresci e fui embora. Arthurzinho também cresceu,
Mas não sabe nem metade do que me aconteceu.
Ao sair de sua casa, um atalho eu peguei,
Fui bater numa floresta e, então, me assustei.
Eu fugi de uma cobra e também de uma coruja
E de gente que dizia: “⏤ Não permita que ele fuja!”.
Fui pulando aperreado, consegui me esconder:
Uns querendo me matar, outros querendo comer.
Quando tudo se acalmou, da minha toca eu saí,
E ainda atarantado, dentro d’água eu caí.
Me salvou uma cegonha, gente boa, gente fina,
Mas pensei: “⏤ Agora, eu morro! Como é triste a minha sina!”
A cegonha, no entanto, não estava à minha caça,
Ela era mesmo amiga, muito mesmo boa-praça.
Me salvou e foi dizendo que uma festa ela daria
E que eu era convidado; que tamanha cortesia!
Eu gritei “Oba! “Oba!”, de entusiasmo cheio,
A cegonha, então, me disse, bem direta e sem receio:
"⏤ Pra minha festa, só virá quem tiver boca pequena!”
Eu arredondei a boca, busquei pose bem serena,
E falando bem pausado, quase me pondo de pé,
Respondi-lhe, prontamente: “⏤ Coitadinho do Jacaré!”
Tudo o que crio é, antes, para a minha satisfação e, no caso dos poemas infantis, para a satisfação dos meus netos. Afinal de contas, além de professor, sou vovô. Estes dois créditos me bastam.Escrever as histórias foi uma alternativa que encontrei, com relação ao que existe no mercado do livro infantil. Acho que o nosso mercado editorial, de uma forma geral, vai mal, no que diz respeito à literatura Infanto-juvenil ou adulta. Precisamos repensar o que se está publicando em escala industrial, como se os leitores estivessem numa esteira de consumo, como o livro está numa esteira de produção. Em muita coisa que se publica, para o público infantil, a criança é tratada como se não tivesse inteligência ou criatividade, porque o que chamam de texto obedece a uma linha de montagem, muitas vezes repetitiva. Isto não quer dizer que o livro que publiquei é a oitava maravilha do mundo, sendo a primeira, como muitos autores consideram a sua obra. Não. Escrevo porque gosto, porque sinto necessidade, pela satisfação de deixar para meus netos alguma lembrança boa, com textos que refletem o meu amor por eles. Não escrevo para ficar famoso ou rico. Escrevo porque, para mim, é natural e prazeroso. Se o livro terá um alcance maior do que o círculo familiar e a alegria dos meus netos, isto não me preocupa. O prazer de escrever para deleitar e ensinar é lição que vem do poeta latino Horácio, do século I a. C.
Escrevo pela alegria de escrever. Precisamos resgatar essa alegria.