Em recente crônica publicada na “Folha de São Paulo”, Sérgio Rodrigues comenta uma frase atribuída a Drummond segundo a qual “escrever é cortar”. O cronista observa que, de tão repetida, a frase se tornou um lugar-comum. Ao mesmo tempo, chama a atenção para o fato de é preciso relativizar esse conceito; nem sempre o corte serve às intenções do autor.
Não há dúvida de que a verborragia é um mal de que o escritor, ou redator, deve se livrar. Há nela uma espécie de automatismo que debilita a expressão. A marca do bom estilo é dizer mais com menos, e não menos com mais. Palavras “sobrando” mascaram a essência do que se quer exprimir e fatigam o leitor.
É conhecida a passagem de Graciliano para ilustrar isso. Ele compara o exercício da escrita ao de lavar roupas. Somente depois de bem torcidas é que elas podem ir para o varal, do contrário a água acumulada impede que sequem e revelem a sua textura. Desidratar o texto, livrando-o do excesso, é também uma forma de fazer as palavras se darem a “ver”. Ou melhor, é um meio de “dizer” (um verbo caro ao autor de “Vidas Secas”) em vez de apenas encher papel.
Em princípio é assim mesmo, e tal ensinamento os professores de redação costumam passar a seus alunos. Nos exercícios de refeitura, o que se recomenda é mudar e cortar palavras. Mudar para que se chegue à adequação semântica. Cortar para deixar emergir o essencial da informação.
Deve-se no entanto ponderar que nem todo escritor é um partidário da concisão. Há deles que têm o exagero como um traço de estilo. Nesse caso a verbosidade é um ingrediente que “funciona”, promove um efeito de sentido que lhes define a persona literária. Para esses escritores o corte deixa de ser limpeza, remoção de excrescências, e se transforma em amputação.
Augusto dos Anjos é um bom exemplo disso na poesia (na prosa, ele peca pelo rebuscamento e a falta de naturalidade). Seu estilo poético “carregado” reflete o peso que lhe ensombra o espírito melancólico. Há nele um “excesso de representação”, um dizer a mais aparentado ao Barroco. Uma das marcas desse excesso é a abundância de adjetivos, que vai de encontro ao que preceituam os defensores do estilo conciso.
São comuns em “Eu e outras poesias” locuções como “largos fios grossos”, “aberratórias abstrações abstrusas”, “hialina lâmpada oca”, “bastos tojos acres”, “abstrusa ciência fria”, “absconsa tábua rasa”, “arimânico gênio destrutivo”, “escaveirado corrupião idiota”, “ríspidas mágoas estranguladoras” e outras em que dois adjetivos modificam um substantivo. Muitas vezes o atributo posposto apenas reitera o sentido do que vem anteposto ao substantivo. Ou seja: não representa um acréscimo de informação, mas tão somente uma reiteração expressiva. Também serve, é claro, ao preenchimento métrico do verso.
O excesso de adjetivos é apenas um traço do estilo do paraibano que caracteriza o excesso acima referido. Há muitos outros, que estudamos com detalhes em nossa tese “O evangelho da podridão”. Eles confirmam o quanto é relativa a máxima de que “escrever é cortar”.
Certamente ela cabe melhor no domínio estritamente redacional, em que se tende ao “grau zero da escritura”. Ou seja, em que se busca a transparência das ideias e o rigor das informações, numa escrita tanto quanto possível destituída de recursos literários. No domínio da criação artística, é preciso ser prudente ao “escoimar” o texto do que nele aparentemente sobra. Muitas vezes está nas sobras, nas palavras a mais, o essencial do que o autor quer dizer.